25.3.15

O beijo



Começo a pensar que o problema do beijo gay entre as personagens de Fernanda Montenegro e Nathalia Timbert está no fato de serem mulheres e idosas. Esses dois pontos, por mais que a gente não perceba, são tabus. Mostrar duas mulheres em idade avançada que mantem um relacionamento afetivo sério, consolidado, uma união estável, ou seja, um casamento, foge do modelo de casal gay que a própria Globo popularizou.
O casal gay Felix e Nico, de Amor a vida, era jovem e afetado, bem diferente do comportamento masculino tido como "normal". Por mais que os personagens fossem carismáticos, eles caíram no estereótipo. Em Império, o casal gay era formado por um rapaz jovem (e lindo!!! rs) e José Maier. Por que esse casal foi aceito? Primeiro, sua condição foi dramatizada, houve ingredientes na historia que acabaram por desviar o foco da questão "são um casal gay". Segundo, o relacionamento do dois no inicio da trama era clandestino, o que se aproxima também do estereótipo de relacionamento gay aceito pela sociedade.
Já em Babilônia, o casal gay se aproxima mais de um casal formado por pessoas comuns, como seu colega de trabalho, como sua vizinha, como a mãe da amiguinha da sua filha, como um tia idosa. Ou seja, não há estereótipos, não há afetação, mas há personagens que se assemelham a pessoas próximas a cada um de nós. Além disso, a idade das personagens além de demonstrar a longevidade da relação, o que leva a um choque de realidade - sim, relacionamentos homoafetivos podem ser duradouros; sim, gays tem comportamento monogâmico assim como os heterossexuais (os quais também tem comportamento dito promiscuo).
Mas há ainda dois pontos importantes aqui: são mulheres e são idosas. A imagem do homossexual está associada a libido ao desejo. Ora, a libido, o desejo, no imaginário social, só é permitido e aceito em relação a pessoas jovens, belas, e aos homens. No casal homossexual de Império, o personagem de Maier era um homem já passando da meia idade, que tinha um namorado da idade de seu filho. Ele era o provedor, ou seja, ele era o “homem” da relação. E o homem “tem direito” a ter uma vida sexual plena, cheia de libido, desejo e sexo, em qualquer idade. O desejo homossexual acaba sendo “tolerado” como se fosse um pequeno desvio de seu papel na sociedade (o personagem de Maier era casado, pai de dois filhos e bem sucedido profissionalmente).
Quando a relação homoafetiva é mostrada na televisão entre duas mulheres de idade avançada, aí a coisa vira um problema, pois no imaginário social de nossa sociedade, e talvez em todas as sociedades do mundo, seja ela ocidental, oriental, tribal, rural, urbana e etc, etc, etc..., a mulher só tem direito a exercer sua sexualidade, a gostar de sexo, com homem ou mulheres, ou com os dois, quando é jovem. Ao envelhecer deve se resignar e esquecer sua sexualidade, seus desejos, sua libido. Um casal homossexual na terceira idade, por mais que essa não tenha sido a intenção da produção da novela, diz ao publico que mulheres idosas tem desejo, tem sexualidade, e isso ficou demonstrado num simples selinho (sim, gente, o tal beijo, foi um selinho!)