Começo a pensar que o problema do
beijo gay entre as personagens de Fernanda Montenegro e Nathalia Timbert está
no fato de serem mulheres e idosas. Esses dois pontos, por mais que a gente não
perceba, são tabus. Mostrar duas mulheres em idade avançada que mantem um
relacionamento afetivo sério, consolidado, uma união estável, ou seja, um
casamento, foge do modelo de casal gay que a própria Globo popularizou.
O casal gay Felix e Nico, de Amor
a vida, era jovem e afetado, bem diferente do comportamento masculino tido
como "normal". Por mais que os personagens fossem carismáticos, eles
caíram no estereótipo. Em Império, o casal gay era formado por um rapaz jovem
(e lindo!!! rs) e José Maier. Por que esse casal foi aceito? Primeiro, sua
condição foi dramatizada, houve ingredientes na historia que acabaram por
desviar o foco da questão "são um casal gay". Segundo, o
relacionamento do dois no inicio da trama era clandestino, o que se aproxima
também do estereótipo de relacionamento gay aceito pela sociedade.
Já em Babilônia, o casal gay se
aproxima mais de um casal formado por pessoas comuns, como seu colega de
trabalho, como sua vizinha, como a mãe da amiguinha da sua filha, como um tia
idosa. Ou seja, não há estereótipos, não há afetação, mas há personagens
que se assemelham a pessoas próximas a cada um de nós. Além disso, a idade das
personagens além de demonstrar a longevidade da relação, o que leva a um choque
de realidade - sim, relacionamentos homoafetivos podem ser duradouros; sim,
gays tem comportamento monogâmico assim como os heterossexuais (os quais também
tem comportamento dito promiscuo).
Mas há ainda dois pontos
importantes aqui: são mulheres e são idosas. A imagem do homossexual está
associada a libido ao desejo. Ora, a libido, o desejo, no imaginário social, só
é permitido e aceito em relação a pessoas jovens, belas, e aos homens. No casal
homossexual de Império, o personagem de Maier era um homem já passando da meia
idade, que tinha um namorado da idade de seu filho. Ele era o provedor, ou
seja, ele era o “homem” da relação. E o homem “tem direito” a ter uma vida
sexual plena, cheia de libido, desejo e sexo, em qualquer idade. O desejo
homossexual acaba sendo “tolerado” como se fosse um pequeno desvio de seu papel
na sociedade (o personagem de Maier era casado, pai de dois filhos e bem
sucedido profissionalmente).
Quando a relação
homoafetiva é mostrada na televisão entre duas mulheres de idade avançada, aí a
coisa vira um problema, pois no imaginário social de nossa sociedade, e talvez
em todas as sociedades do mundo, seja ela ocidental, oriental, tribal, rural, urbana e etc, etc, etc..., a mulher só tem direito a exercer sua sexualidade, a gostar de sexo, com homem
ou mulheres, ou com os dois, quando é jovem. Ao envelhecer deve se resignar e
esquecer sua sexualidade, seus desejos, sua libido. Um casal homossexual na
terceira idade, por mais que essa não tenha sido a intenção da produção da
novela, diz ao publico que mulheres idosas tem desejo, tem sexualidade, e isso
ficou demonstrado num simples selinho (sim, gente, o tal beijo, foi um
selinho!)