15.3.11

O Câncer e a vida...

Hoje a tarde li uma matéria na Época muito interessante. Era sobre um livro escrito por uma joralista norte-americana sobre uma mulher, Henrieta Lacks, cujas celulas cancerosas colhidas há sessenta anos no hospital John Hoppikins, se multiplicam até os dias atuais. Henrieta tinha câncer no útero, procurou o hospital John Hoppikins pois era o único em 1951 que atendia negros - em uma ala específica para "pessoas de cor". Lá diagnosticaram câncer, colheram algumas células e deixaram que elas crescessem em laboratório - há tempos os cientistas daquele hospital tentavam cultivar células humanas mas elas morriam em alguns dias. As células cancerosas de Henrieta eram diferentes, não so resistiram como crescerem com todo vigor e tornaram materia prima para uma infinidade de estudos.
Já Henrieta não teve a mesma sorte que suas células cancerosas, muito pelo contrário, nos meses seguintes a descoberta ela só piorou e sofreu uma metastase, morrendo em novembro de 1951. Seu câncer era tão agressivo que nem os mais fortes analgégicos, aqueles produzidos a base de ópio conseguiram evitar a dor. Durante a autópsia, mais células foram retiradas do corpo de Henrieta,  mas estas não sobreviveram - especulei, ao ler a materia, que provavelmente estavam sofrendo o efeito da radioterapia aplica.
A história de Henrieta não acaba ai. Ela não era apenas um numero ou dado. Ela tinha 31 anos, cinco filhos e o destino dessa família não foi dos melhores. Em 1973, quando foi revelado a comunidade cientifica a identidade da dona das celulas cancerosas, vários cientistas foram procurar seus descendentes, para colher amostras de sangue. Eles viviam na mais profunda miséria. A própria autora do livro demorou cerca de dez anos para obter a confiança dos familiares de Henrieta. Apesar das células provenientes do tumor que matou Henrieth serem usadas até hoje em estudos até mesmo sobre a aids, e pelo fato de terem proliferado de maneira super agressiva, o que desperta a curiosidade e o assombro até mesmo de uma pessoa leiga como eu, sua família nunca recebeu nenhum apoio financeiro, nada, absolutamente nada.
Varias coisas me passaram pela cabeça quando li esse artigo. Primeiro: quero ler esse livro. Segundo: pesquisa interessante! Terceiro: nada nessa vida é natural, a não ser o câncer.
Henrieth vivia em Baltimore mas nascera em Lacks Town (Cidade Lacks), uma cidadezinha do sul norte-americano, onde vários descendentes de escravos pertencentes a familia Lacks, viviam. Seu marido era um primo. O destino de Henrieta e sua familia estava marcado pelo passado escravista, pela descriminção racial, pela violência e intolerancia, que se traduziram ao longos dos anos em poucas oportunidades e sedimentação da idéia de que os negros não podem e nem devem tentar ter ou mesmo almejar uma vida no minimo digna. Os Lacks brancos tiveram amplas oportunidades, seus filhos frequentaram bons colegios e sua descendencia tem pelo menos uma vida decente. O mesmo não se pode dizer da descendencia de Henrieta.
No Brasil, embora o preconceito racial não seja violento, a maior parte da população pobre é negra e/ou mestiça. A maior parte desta população pobre trabalha em serviços braçais ou que não exigem alto grau de escolaridade. A idéia de melhoria de vida através da educação que abriria a porta para um emprego melhor, muitas vezes, nem passa pela cabeça dessas pessoas, pois frequentar uma universidade não é coisa de pobre, ainda mais pobre preto, é coisa de gente rica e branca. E assim, sob essa mentalidade, tão preconceituosa como a dos norte-americanos, gerações e geraçoes vão se formando.
Essa mentalidade excludente que permeia todas as esferas sociais é mais cruel do que a própria violência física, porque ela disciplina, direcionada e condena as pessoas a ocuparem eternamente um único espaço na sociedade porque elas próprias não se vêm fora daquele espaço pré-determinado. É uma prisão dentro de si mesmo e não termina em uma so pessoa, alcança gerações e gerações.
Só o câncer na vida de Henrietah foi algo natural, não provocado, algo estúpido, monstruoso que apareceu expontaneamente em seu corpo e a matou. Mas a miséria de sua familia, o fato de ter sido esquecida pela história e pela sociedade, a monstruosidade e a agressividade a que foram submetidos física e psicologimente por serem negros, não,  nada disso é natural.




A vida imortal de Henrieta Lacks
Cia das Letras, Rio de Janeiro
2011

5 comentários:

Zerfas disse...

Vivi !
Este relato me lembrou que assisti um episodio de Lei e Ordem: vitimas especiais que se tratava exatamente disso do roubo de material genetico por entidades medicas para pesquisa é era justamente com negros. O episodio deve ter sido feito nos ultimos dois anos, mas de outra forma tambem faz uma denuncia sobre este tipo de atitude.
O livro é mais democratico e da nomes as pessoas e mostra de onde a veio a ficção.
Beijos

Ana Brum disse...

Super interessante, Vivi!
Fiquei tentada a ler o livro tambem.Saber mais sobre ela.
Que historia incrivel.Quem sabe agora, com a maior divulgaçao do livro, a familia receba alguma coisa.
Vou acompanhar!
Beijos mil.

Ana Brum disse...

Vivi, sou eu, Ana Brum.Nao sabia que nome tinha usado aqui.Beijos.

Diana disse...

Muito legal seu post. Se você quiser saber mais sobre o livro, lá no nosso site dá pra ler um trecho e ver o trailer: http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12974

Romanzeira disse...

Meninas, eu fiquei pensando a respeito... Não sei se há algum tipo de "direito autoral" sobre as coisas do corpo. E na época que as tais células foram colhidas as questões sobre direitos civis e individuais estavam muito complicadas e meio turvas, pricipalmente se tratando de pessoas negras e nos Estados Unidos. A gente não pode esquecer que essa discussão so vai florescer com força total e mudar algumas coisas - pelo menos na Europa e nos EUA - uma década depois. Então, fica meio complicado pensar em direito ou indenização para essa família, nessa situação. Mas não deixa de ser uma história curiosa e triste pra caramba!

bj.