Hoje a tarde li uma matéria na Época muito interessante. Era sobre um livro escrito por uma joralista norte-americana sobre uma mulher, Henrieta Lacks, cujas celulas cancerosas colhidas há sessenta anos no hospital John Hoppikins, se multiplicam até os dias atuais. Henrieta tinha câncer no útero, procurou o hospital John Hoppikins pois era o único em 1951 que atendia negros - em uma ala específica para "pessoas de cor". Lá diagnosticaram câncer, colheram algumas células e deixaram que elas crescessem em laboratório - há tempos os cientistas daquele hospital tentavam cultivar células humanas mas elas morriam em alguns dias. As células cancerosas de Henrieta eram diferentes, não so resistiram como crescerem com todo vigor e tornaram materia prima para uma infinidade de estudos.
Já Henrieta não teve a mesma sorte que suas células cancerosas, muito pelo contrário, nos meses seguintes a descoberta ela só piorou e sofreu uma metastase, morrendo em novembro de 1951. Seu câncer era tão agressivo que nem os mais fortes analgégicos, aqueles produzidos a base de ópio conseguiram evitar a dor. Durante a autópsia, mais células foram retiradas do corpo de Henrieta, mas estas não sobreviveram - especulei, ao ler a materia, que provavelmente estavam sofrendo o efeito da radioterapia aplica.
A história de Henrieta não acaba ai. Ela não era apenas um numero ou dado. Ela tinha 31 anos, cinco filhos e o destino dessa família não foi dos melhores. Em 1973, quando foi revelado a comunidade cientifica a identidade da dona das celulas cancerosas, vários cientistas foram procurar seus descendentes, para colher amostras de sangue. Eles viviam na mais profunda miséria. A própria autora do livro demorou cerca de dez anos para obter a confiança dos familiares de Henrieta. Apesar das células provenientes do tumor que matou Henrieth serem usadas até hoje em estudos até mesmo sobre a aids, e pelo fato de terem proliferado de maneira super agressiva, o que desperta a curiosidade e o assombro até mesmo de uma pessoa leiga como eu, sua família nunca recebeu nenhum apoio financeiro, nada, absolutamente nada.
Varias coisas me passaram pela cabeça quando li esse artigo. Primeiro: quero ler esse livro. Segundo: pesquisa interessante! Terceiro: nada nessa vida é natural, a não ser o câncer.
Henrieth vivia em Baltimore mas nascera em Lacks Town (Cidade Lacks), uma cidadezinha do sul norte-americano, onde vários descendentes de escravos pertencentes a familia Lacks, viviam. Seu marido era um primo. O destino de Henrieta e sua familia estava marcado pelo passado escravista, pela descriminção racial, pela violência e intolerancia, que se traduziram ao longos dos anos em poucas oportunidades e sedimentação da idéia de que os negros não podem e nem devem tentar ter ou mesmo almejar uma vida no minimo digna. Os Lacks brancos tiveram amplas oportunidades, seus filhos frequentaram bons colegios e sua descendencia tem pelo menos uma vida decente. O mesmo não se pode dizer da descendencia de Henrieta.
No Brasil, embora o preconceito racial não seja violento, a maior parte da população pobre é negra e/ou mestiça. A maior parte desta população pobre trabalha em serviços braçais ou que não exigem alto grau de escolaridade. A idéia de melhoria de vida através da educação que abriria a porta para um emprego melhor, muitas vezes, nem passa pela cabeça dessas pessoas, pois frequentar uma universidade não é coisa de pobre, ainda mais pobre preto, é coisa de gente rica e branca. E assim, sob essa mentalidade, tão preconceituosa como a dos norte-americanos, gerações e geraçoes vão se formando. Essa mentalidade excludente que permeia todas as esferas sociais é mais cruel do que a própria violência física, porque ela disciplina, direcionada e condena as pessoas a ocuparem eternamente um único espaço na sociedade porque elas próprias não se vêm fora daquele espaço pré-determinado. É uma prisão dentro de si mesmo e não termina em uma so pessoa, alcança gerações e gerações.
Só o câncer na vida de Henrietah foi algo natural, não provocado, algo estúpido, monstruoso que apareceu expontaneamente em seu corpo e a matou. Mas a miséria de sua familia, o fato de ter sido esquecida pela história e pela sociedade, a monstruosidade e a agressividade a que foram submetidos física e psicologimente por serem negros, não, nada disso é natural.
A vida imortal de Henrieta Lacks Cia das Letras, Rio de Janeiro 2011 |
5 comentários:
Vivi !
Este relato me lembrou que assisti um episodio de Lei e Ordem: vitimas especiais que se tratava exatamente disso do roubo de material genetico por entidades medicas para pesquisa é era justamente com negros. O episodio deve ter sido feito nos ultimos dois anos, mas de outra forma tambem faz uma denuncia sobre este tipo de atitude.
O livro é mais democratico e da nomes as pessoas e mostra de onde a veio a ficção.
Beijos
Super interessante, Vivi!
Fiquei tentada a ler o livro tambem.Saber mais sobre ela.
Que historia incrivel.Quem sabe agora, com a maior divulgaçao do livro, a familia receba alguma coisa.
Vou acompanhar!
Beijos mil.
Vivi, sou eu, Ana Brum.Nao sabia que nome tinha usado aqui.Beijos.
Muito legal seu post. Se você quiser saber mais sobre o livro, lá no nosso site dá pra ler um trecho e ver o trailer: http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12974
Meninas, eu fiquei pensando a respeito... Não sei se há algum tipo de "direito autoral" sobre as coisas do corpo. E na época que as tais células foram colhidas as questões sobre direitos civis e individuais estavam muito complicadas e meio turvas, pricipalmente se tratando de pessoas negras e nos Estados Unidos. A gente não pode esquecer que essa discussão so vai florescer com força total e mudar algumas coisas - pelo menos na Europa e nos EUA - uma década depois. Então, fica meio complicado pensar em direito ou indenização para essa família, nessa situação. Mas não deixa de ser uma história curiosa e triste pra caramba!
bj.
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