Semana passada, estava batendo papo com um casal de amigos cinéfilos, talvez mais cinéfilos que eu, e a discussão girou em torno do filme Valente, com a Jodie Foster. Valente é um blockbuster norte-americano, que conta a história de uma mulher que após ser vítima de um assalto no qual seu namorado foi brutalmente espancado até a morte, torna-se uma espécie de justiceira, mata, trucida e faz picadinho de todo e qualquer bandido que passar em sua frente, durante a busca incessante pelos assassinos. Nós ficamos falando sobre o final do filme e a forma como a violência é legitimada pelo cinema.
Isso me lembrou outros dois filmes sobre os quais andei pensando há algumas semanas: Quantum of Solace e A Paixão de Cristo. Na matéria que saiu no Globo na semana de estréia de Quantum, o diretor e equipe de produtores enfatizavam o quando o filme é violento, o quanto James Bond se afasta do agente glamouroso idealizado nos anos do pós-guerra por Ian Fleming, quase uma caricatura, tornando-se mais violento e por isso mais “humano”, imediatamente lembrei do discurso do Mell Gibson sobre o seu Paixão de Cristo. Tinha o mesmo tom: humanizar a figura do personagem, Cristo, através da exposição de seu martírio e sofrimento, provocado por atos de tortura.
Há uma enxurrada de filmes assim, notadamente norte-americanos, mas nem sempre de diretores norte-americanos, e o discurso de todos eles é o mesmo: "humanizar" um personagem através da exploração da violencia, ou cometida por ele ou contra ele, ou através da exposição de sofrimento infringido por ato violento. E não são diretores desconhecidos, mas sim diretores consagrados – o diretor de Quantum, Marc Foster, tem em seu currículo filmes como A última ceia e Em busca da terra do nunca e o recente O Caçador de Pipas. Todos sucessos de público e crítica.
A questão toda é por que eles esperam humanizar um personagem através da violência? Será que a marca da humanidade é a maldade extrema, ou seja o ser humano é “naturalmente” mau?
O ser humano não é naturalmente mau, ou naturalmente bom, não acredito em naturalizações. O ser humano é algo muito mais complexo que os estereótipos e idealizações criadas pelo cinema norte-americano. Essa "humanização" que diretores e produtores perseguem obstinadamente na verdade é o extremo oposto da idealização da benevolência humana e, como tal, não conduz à humanização alguma, mas sim à legitimação e, quiçá, naturalização e banalização da violência na sociedade.
O que mais me irrita neste discurso é o tom pseudo-intelectual de problematização da violência humana, o que é apenas uma desculpa para justificar um filme de ação tecnicamente bem feito, sensacionalista e extremamente violento, que se leva a sério.
Eu gosto dos filmes do James Bond – pois é, todo mundo tem algum podre do qual não se orgulha, mas também não se envergonha muito – mas depois de ler a reportagem, perdi completamente a vontade de assistir. De violência e atrocidades já me chegam os jornais diários, já me chega o bando de gente que vejo no Centro da cidade, dormindo na rua, ao relento, o pedinte mal encarado e mal vestido de quem a gente devia o olhar para fingir que não vê. A violência dos homens já conheço, não preciso ir ao cinema pra ter isso esfregado na minha cara, em cenas frenéticas de ação como se fosse a oitava maravilha do mundo, idealizadas por cineastas que, cinicamente, pensam terem descoberto o caminho para o entendimento das mazelas humanas, atrelados a uma indústria milionária que só visa o lucro fácil sobre uma platéia que se deixa embrutecer cada dia mais - e nisso eu incluo todo tipo de público, inclusive o de classe média.
Sei que filmes, livros, músicas, peças de tetro, ou qualquer tipo de expressão artística não induz ninguém a cometer atos violentos, mas os discursos influenciam sim as pessoas e se essa naturalização da violência humana continuar se propagando, as sociedades se tornarão uma barbárie pior que a de hoje.
Um comentário:
Viviane,
O cinema americano padrão é extremamente violento, tal como sua sociedade, que já se envolveu em trocentas guerras pelo mundo. Quase toda a família americana tem um parente que foi morto em uma delas. Não sei o quanto o cinema ajuda a fazer a sociedade ficar ainda mais violenta, mas certamente reflete esta cultura. Daí, não estranho quando um moleque aloprado compra uma arma e sai atirando em colegas na escola.
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