17.9.09

Machuca


Sempre demoro a postar sobre filmes e livros porque eu demoro um pouco para assimilá-los. Na verdade, eu fico um tempo pensando sobre eles, absorvendo, para depois escrever - quando escrevo, pois muitas vezes acabo guardando as impressões só para mim. há cerca de umas três semanas assisti "Machuca" filme chileno que se passa exatamente durantes os últimos meses do governo popular de Salvador Allende, o qual terminou 11 de setembro de 1973, com um golpe que vitimou o então presidente. A importancia do pano de fundo se dá porque foi uma das únicas tentativas de se levar a diante uma revolução socialista pelas vias institucionais, e são mostradas de maneira muito sutil através da amizade entre dois meninos de classes sociais muito diferentes.
O filme, partindo da posição de Gonzalo, narra a relação de amizade que surge entre Gonzalo infante e Pedro Machuca, quando a escola catolica em que Gonzalo estuda, uma escola de classe média e média alta, recebe como alunos meninos moradores de uma favela localizada nas imediações da escola. Apesar de Infante e Machuca terem a mesma idade, Infante é tímido e inseguro ao contrário de Machuca e é exatamente por conta da insegurança de Infante e da atitude de Machuca que os dois desenvolvem uma amizade que em vários momentos vai refletir as diferenças sociais e as tensões que isso gera.
Uma cena marcante, logo no início do filme, é a da apresentação dos novos estudantes, na classe de Gonzalo. A camera primeiro passeia pelo rosto dos meninos novos na escola, todos com feições que lembram sua descendência indígena, em seguida há um corte e a câmera então passeia pela classe, composta por meninos brancos de feições européias.
Na verdade há várias metáforas nas cituações exploradas pelo roteiro, a amizade entre os dois meninos é a primeira. Através da relação ora tensa, ora amena, percebe-se também a relação entre dominantes e dominados dentro de uma sociedade altamente conservadora como é a chilena.
A posição política de uma classe média com alguma consciência política e uma elite que conservadora que não abre mão de seus privilégios e flerta com o capital estrangeiro, fica evidenciado no processo de desagregaçao da família de Gonzalo, cuja mãe mantem um caso com um homem mais velho e muito rico, além de manter uma posição política conservadora condescendente e paternalista em relação as classes populares - o que é demonstrado em dois momentos: na ruinião escolar onde ela se coloca claramente contra a permanencia dos meninos pobres na escola, postura oposta a do pai; e na sequencia da passeata onde ela integra o grupo de direita, e ao mesmo tempo de defende Silvana, amiga de Machuca e Gonzalo, que a agride em meio a manisfestação, pois a vê como uma "criança", começa também a agredí-la quando percebe sua reação agressiva e revoltada. Ou seja, a classe dominante tolera a insurgência dos dominados até um certo ponto. O pai, ao contrário, mantem uma posição ideológica progressista, entretanto está a maior parte do filme ausente, entretido em seus negócios, em ganhar a vida.
Os anseios de uma parcela da população marginalizada que ousou organizar-se políticamente em apoio a Allende e a seu projeto de revolução social fica reforçado pela presença de Silvana, vizinha de Machuca. Silvana ganha a vida com o pai vendendo cigarros e bandeirinhas em maninfestações políticas, ora entre os grupos de direita, ora entre os grupos de esquercada. Com personalidade forte, possui uma postura de revolta contra o sistema, mas uma revolta surda e muda, que explode em situações pontuais e em alguns momentos contra Gonzalo, a personificação do sistema.
Ao contrário do que esperava quando comecei a ver o filme - um drama sobre as descobertas da adolescencia de dois garotos, tendo o golpe apenas como pano de fundo - Machuca é um filme muito mais profundo, que não apela para situações clichês, mas faz uma grande metáfora sobre o processo de desagregação do governo Allende e uma análise da propria sociedade Chilena através de situações cotidianas e das relações humanas que em suas minúcias, um olhar, uma palavra ou um gesto, podem demonstrar muito das relações sociais que se estabelecem entre os grupos numa sociedade. Que ninguém espere cenas lacrimosas, ou o que eu costumo chamar de "encontro das águas", aquelas cenas em que as diferenças são postas em pratos limpos através de muita roupa suja lavada, não, muito pelo contrário, Machuca expõe chagas de maneira tranquila, sem sobressaltos, e exatamente por isso, muito dura e realista.


Titulo: Machuca
Ano: 2004
País: Chile
Direção: André Wood
Atores: Matías Quer (Gonzalo Infante); Ariel Mateluna (Pedro Machuca).


2 comentários:

Haline disse...

Eu amei esse filme e adorei sua análise. A fiquei muito impressionada com as atuações, que são fantásticas.

Romanzeira disse...

Oi, Haline!

Sim, o filme é lindo mesmo. Os atores são ótimos, todos eles, mas o roteiro é de arrebentar. Fantástico!!!