
Esta semana, ao ler a entrevista de José Saramago ao Globo, falando sobre o livro com os artigos publicados em seu blog “Caderno de Saramago” (que eu costumo visitar), lembrei-me de “1984” de George Orwel. A história de Orwel se passa no ano de 1984, o mundo está dividido em dois pólos, que vivem em guerra um com o outro. Winston Smith, protagonista do romance vive no pólo oriental – clara referencia a guerra fria – que não é exatamente a ex-União Soviética, mas sim a região do mundo que compreende parte da Europa, domina pelo regime do "Grande Irmão", que a todos vigia através da super-tela, uma tela que existe em todas as residências dos membros do partido, para vigiá-los. Qualquer deslize é punido até mesmo com a morte. Smith, vive insatisfeito, imagina que existe uma resistência e vive um romance secreto com uma jovem também membro do partido, mas que odeia o sistema tanto ou mais que Winston e sempre burla as regras, entre as quais praticar sexo fora do casamento – Smith é casado, embora não viva com a mulher. No regime do grande irmão não é possível nenhuma expressão de individualidade, de existencialismo, nem mesmo é permitido escrever num diário, e existe até mesmo um novo idioma, a novilíngua, que se caracteriza pela supressão de palavras. Foi justamente quanto se fala da nova edição do dicionário da novilingua que compreendi que o significado das palavras é único e se configura como a própria identidade da palavra. A palavra mal, não é simplemente alguma coisa que não é boa, mal remete a uma série de significados e imagens, são esses ícones que dão identidade a palavra.
Por que a entrevista de Saramago me lembrou da novilingua? Porque em tal entrevista ele é perguntado se escrever em um blog modificou sua forma de escrita, visto que o veículo eletrônico exige textos mais enxutos, e também foi perguntado pelo Twitter, novo meio eletrônico de comunicação e publicação, que está virando febre entre os internautas. Sobre este último, Saramago é sucinto, afirma que o limite de 140 caracteres é impossível, e diz que estamos descendo ladeira abaixo, chegaremos ao ponto de apenas grunhir para se comunicar. Ora, não é novidade para ninguém que a Internet, e ferramentas para comunicação como o MSN estão transformando a forma de se comunicar, e a própria língua. É quase impossível entender o que um adolescente escreve numa conversa com colegas no MSN e até mesmo no orkut. Quanto ao Twitter, já entrei para ver como era, e não me atraiu. Me pareceu uma mistura de MSN, blog e orkut. A interface é feia e limitada, e a idéia de ter “seguidores” como se a pessoa fosse um guia, me incomodou bastante. É muito comum encontrar artistas e escritores no Tweeter, pessoas que rapidamente tem seu espaço “seguido” pro milhares de desconhecidos. Sei não, não gosto dessa idolatria, dessa necessidade de estar “in” o tempo inteiro, dessa super exposição do pensamento – as pessoas pensam que exposição é somente da imagem, mas expor suas idéias, dar opinão sobre tudo também é uma forma de super-exposição. E também não me agrada essa limitação de caracteres. Parecem que impõem um padrão de escrita, de como escrever e se comunicar, mas um padrão limitado que acaba por empobrecer a escrita e a propria língua.
Muito curioso foi o fato que na edição da revista digital na segunda feira, a reportagem de capa remetia ao Grande Irmão, de Orwel. Falava do poder de empresas como a Amazon tinham em deletar conteúdos que apesar de comprados pelo assinante de um Ipod, por exemplo, permaneciam na rede e poderiam ser deletados sempre que a empresa julgar necessário. Todos associam o “grande irmão” a restrição de liberdade e a cassação de direitos. Não percebem que o pior tipo de autoritarismo é a manipulação ideológica. A limitação da expressão pode ser imposta de maneira que não pareça uma imposição, que pareça apenas uma mudança de hábitos. O problema é que as pessoas não questionam essa mudança de hábito, simplesmente aceitam.
*Perdoem a superficialidade das informações sobre "1984". Eu tinha esse livro, mas emprestei e acabei perdendo-o, por isso escrevo sem ele em mãos para consultar e corrigir qualquer equivoco. Como estou com tempo muito curto para escrever, não quis procurar detalhes em qualquer resenhas na net, preferi trabalhar com a lembrança que tenho do livro - e eu o li, já faz um tempo.
2 comentários:
Eu penso a mesma coisa de Twiter, uma justificativa no mundo digital para espaços pubicitários. Não sou contra, mas qual a real diferença entre isso e um blog? Para mim, ó a restrição de caracteres. Nesse mundo de hoje, coisas como twiter não são novidades, são mais do mesmo.
Exato Klamber. Mais do mesmo. Não sou de jogar fora antes de experimentar, mas a gente não precisa aceitar tudo que o mundo digital nos oferece sem pensar a respeito.
De minha parte o que me incomodou foi a limitação de caracteres. Isso é algo que não gosto. Se a proposta é funcionar como um blog também, além de site de relacionamentos e msn - os quais não precisam de muitos caracteres para a pessoa se expressar - não deveria ter limite de caracteres, pois não dá pra dizer nada de relevante e consistente apenas em 140 letras.
Não levo nem para o lado comercial - ser um espaço publicitário - até porque o orkut e os blogs também podem ser usados dessa forma e eu até acho legítimo, não tenho nada contra. Minha questão é de comportamento e costume mesmo.
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