8.8.09

"Horário nobre" - "muita emoção para um só coração!" - novelas, violênica e machismo na tv

Dei uma paradinha dos estudos agora a pouco para relaxar e entrei na net. Procurando um vídeo do Raphael Rabelo, grande violonista, acabei me deparando com o vídeo de parte do capítulo da novela Caminho das Indias exibido ontem, em que a personagem de Cristiane Torlone, a perua Mellissa se atraca com a personagem de Letícia Sabatela, Yvone. Curiosidade é fogo, todo mundo está falando nesse "trem" e eu fui lá pra ver qual era. Fiquei estarrecida com a violência da cena!
Quem esperava ver um arranca rabo feminino com puxões de cabelo, e arranhões se deparou com uma quase boxeadora arrebentando a outra, com direito a boca sangrando e dente quebrado e tudo o mais. Achei de um mal gosto absurdo. Mellyssa parecia mais com uma psicopata que a propria Yvone. A cena lembrou muito o acerto de contas entre as pessonagens de Malu Mader e Cláudia Abreu em Celebridades, ou a surra que Doris levou do pai em Mulheres apaixonadas, todas novelas exibidas em horário nobre pela emissora do Jardim Botânico. Em todas essas novelas as perssonagens que apanharam eram vilãs horriveis, verdadeiras cobras caninanas, mocréias de primeira. O público esperava ansiosamente por esses momentos e foi uma cartase geral as cenas foram ao ar.
O que me revolta é a alimentação da crença de que tudo se resolve no braço, na porrada. A exploração da violência gratuita para elevação de indices de audiencia, a manipulação das pessoas que não se percebem manipuladas e que se me ouvirem falando mal da novela ainda vão me chamar de chata.
Como eu já escrevi aqui, novela é entretenimento, talvez o entretenimento mais democrático deste país pois entra na casa de todos e é de graça, basta ter televisão, o que todo mundo tem. É transmitida por emissoras que, apesar de serem empresas privadas, possuem uma conseção estatal para funcionar. Então é um absurdo e uma falta de ética muito grande apelar para a violência na hora de elevar números, e eu não estou falando da violencia do tráfico, das balas perdidas, da violência urbana, porque parece que esse é único tipo de vilência na sociedade, estou falando da intolerância, da grosseria, do bater por qualquer motivo. Esse tipo de violência está ligado a cidadania, as regras de vem viver, a gentileza, ao mínimo de civilidade, sem o qual não se consegue viver em sociedade.
Outro ponto importante é o conteúdo machista e fetichista dessas situações. Já reparam que é sempre a mulher que apanha, e são sempre mulheres se atracando? Todas as cenas possuem um conteudo erótico que fica subentendido. No caso de Mulheres: mulher jovem, bonita, com comportamento rebelde (fora do padrão) apanha de homem mais velho. No caso de Celebridades: duas beldades se engalfinhando num "ring". Em Caminhos: mulher bonita e voluntariosa apanha da rival, esposa do homem com quem mantém um caso. Ora bolas, essa cenas e roteiros jogam com arquétipos e com o fetiche da subjugação da mulher! Não gosto de ficar procurando machismo em tudo, mas, caramba, só não vê quem não quer.
E mais um detalhe, no último caso, de Caminhos, porque Mellissa espanca Yvone? Mellissa tem um relacionamento com Yvone ou com Ramiro? Sim, porque se ela tem de tirar satisfação é com seu marido, ele é que tem compromisso com ela e é um galinha de marca maior que já pegou até a colega de trabalho e amiga de longa data de sua família. Saca? A lógica é: o homem tem mais é que pular a cerca, está na natureza dele, a mulher é que é uma piranha, vagabunda que foi lá atiçar a libido do cara ao invés de se dar o respeito.
Quando eu percebo essas nuances, eu lembro de um livro que li durante a graduação quando eu queria pesquisar sobre Idade Média. Não lembro o nome do livro, mas ele tratava do lugar da mulher na nos tempos medievais e por tabela, do trabalho feminino (o que naquela época seria o foco da minha pesquisa). Num dos capítulos, o livro explorava a crença comum daqueles tempos de que era a mulher que desvirtuva os homens quando se maquiavam, se enfeitavam, o que colocava o homem numa posição sempre de vítima e a mulher como uma pecadora por natureza.
Não sei se muita coisa mudou em termo ideológicos, na sociedade, desde então.

2 comentários:

Arnaldo Heredia Gomes disse...

É por isso que eu parei de ver novelas, há muitos anos. Eu concordo com você: novelas deveriam ser entretenimento. Mas não é pra nos entreter que elas são veiculadas. Elas existem pra vender anúncios. E aí, já que o objetivo é angariar anunciantes, a técnica consiste em descobrir o que é que a maioria quer assistir, ou então, o que é que um determinado perfil de consumidor quer assistir.

Pelo jeito, o que está atraindo espectatores é mulher brigando. Por isso é que eu acho que nem mesmo existe uma intenção preconceituosa nessa coisa toda. A intenção é obter audiência. O preconceito é o que eles conseguem identificar na nossa sociedade (machista desde sempre) pra direcionar os temas e as soluções das novelas.

Por tudo isso é que eu não acho que esse "entretenimento" seja democrático. Só parece democrático.

Romanzeira disse...

Concordo plenamente com vc Arnaldo. O texto da novela não é propositalmente machista, mas se apropria do imaginário machista bem como da violênicia, que persiste na sociedade, para aumentar o ibope, para vender. É exatamente por isso que fico irritada. Como a novela chega na casa de todo mundo poderia ser um espaço para fazer as pessoas pensarem, através de bons textos, situações bem elaboradas. Entretanto é apenas mais um instrumento de manipulação.
Ah, e eu me expressei mal, a televisão é que um meio de comunicação democrático. Mas seu comentário me fez pensar num outro ponto importante: a televisão é relativamente democrática somente no acesso, pois em termos de programação,não. Realmente a televisão aberta está horrível, e essa espécie de "sucateamento" se deve exatamente a motivos econômicos - a tv aberta está direcionada as massas, se vc quer uma programação minimamente exclusiva, então tem de pagar a tv a cabo.