6.11.08

Cultivando o desconfiômetro

Hoje estava lendo no Abunda Canalha um post sobre as eleições norte-americanas - pois é, tanto desdenhei e agora me quedo aqui falando desse assunto! - que me motivou a escrever. Confesso que não acompanhei todo o processo eleitoral, mas gosto de observar a reação das pessoas.
Primeiro, todos reagem como se a eleição fosse aqui no Brasil, mas isso é compreensível pois é um fato importante para o mundo, nem um extraterrestre ficaria indiferente; além de que e histórico um homem negro ocupar o mais alto degrau político nos EUA, um pais com sérios problemas raciais. Segundo, é a forma como as pessoas estão vendo o Obama, e isso em relação a mídia e ao cidadão comum: um "salvador". Tudo bem, ele tem uma trajetória política muito interessante, esteve sempre envolvido na luta pelos direitos civis, causas comunitárias, controle do comércio de armas e etc... Mas, se esquecem que apesar dessa trajetória, que realmente é bonita, ele faz parte de um dos dois partidos americanos que detêm a hegemonia política nos EUA, o Partido Democrata. E ainda que esse partido tenha um perfil político mais progressista que o Partido Republicano, ainda assim eles defendem o modo de vida americano, ainda assim ele vai defender os interesses políticos norte-americanos no mundo.
Fazer parte do Partido Democrata lá, imagino eu, deve significar se comprometer com os interesses de uma parcela da classe média menos conservadora, mas que não deseja perder suas regalias. Propostas como legalização do aborto, união entre homossexuais e outras do gênero possuem uma apelo particular que com certeza garante eleitorado nesta camada social. Mas me pergunto como será sua política externa com relação a América Latina, como vai se comportar com relação ao problema da imigração - acabei de ver uma pesquisadora em relações internacionais da UFRJ, dizendo que ele provavelmente será obrigado a pensar numa solução para o problema da imigração ilegal que contemple de forma positiva os interesses dos imigrantes, principalmente os latinos, visto que esses apoiaram sua candidatura nos estados em que constituem grupo social expressivo. Como vai proceder a respeito de questões ambientais como o aquecimento global, emissão de gases na atmosfera, o que implica um a contenção da industrialização. Esses alguns exemplos a respeito dos quais as pessoas, influenciadas pelo clima de euforia que a eleição de Barak Obama representa, muito por conta da quantidade de matérias nos principais jornais do país a respeito - não que eu seja defensora de alguma teoria conspiratória, não se pode negar a influência dos meios de comunicação sobre as pessoas - não estão pensando.
Parece o mesmo fenômeno em relação ao Fernando Gabeira. A classe média e média alta em peso votaram no Gabeira. Não acho Eduardo Paes melhor que Gabeira, só que as pessoas ficaram numa euforia em relação a candidatura do Verde, que não pararam para olhar para sua trajetória política, ou melhor, olharam para a parte que mais convém olhar, que atendia a seus anseios e sonhos naquele determinado momento. A busca por um "salvador" provoca esses fenômenos, é aí que lembro de alguns textos que li sobre memória na faculdade, numa matéria que fiz sobre historia oral, os quais em linhas gerais dizem que a memória realmente é seletiva, a gente só lembra o que deseja, o que é conveniente para nossos interesses, ou o que nos toca. A figura política de Gabeira, assim como a de Obama, toca fundo no coração de uma classe média e média alta, intelectualizada, porque concentra seus anseios sociais a respeito do que seria uma governo justo, ético, a favor da "justiça social". Ignoram, por outro lado, a face menos nobre dessa figura, a parte que se afasta do sonho, do mito, da figura idealizada, produzida por uma boa assessoria de imprensa.

2 comentários:

Jurandir Paulo disse...

Pois é, Viviane. Não tenho tempo nem roupa para fazer uma tese, mas parece que em nossa atual sociedade os aspectos subjetivos estão muito mais fortes que os objetivos, os simbólicos maiores que os cognitivos, mais vale o esforço para parecer que é do que labutar para ser de fato. Daí, é um prato cheio para a mistificação. Temo o futuro. Foi assim em um momento quando bandeiras com símbolos fortes, enormes suásticas, botas brilhantes, discursos histriônicos, armas poderosas, substituíram o conhecimento da história. Tenho momentos de profundo pessimismo.

Jurandir Paulo disse...

Seu texto me fez refletir e alterar o meu, com conclusão um tanto mais incisiva. Gostei da mudança.