18.9.08

Blecaute


Há algum tempo atrás, tive a oportunidade de ler Blecaute, do Marcelo Rubens Paiva – mais conhecido por seu livro autobiográfico Feliz Ano Velho. Blecaute estava na estante ficção científica, gênero que literário (e cinematográfico) que adoro. Comprei o livro, empolgada com o fato de ser um livro de ficção científica brasileiro e de autor conhecido e respeitado. Li e até escrevi minhas impressões sobre ele, mas não postei no blog. Bom, após esse último fim de semana (tedioso por sinal), em que assisti a dois dos mais novos lançamentos norte-americanos do gênero – Fim dos dias e O nevoeiro – e me decepcionei com o nível de previsibilidade com o qual as tramas foram narradas, lembrei desse livro e resolvi retomar o textinho sobre ele.
Blecaute narra a história de três jovens que, durante uma viagem de exploração em cavernas no interior paulista, ficam presos numa caverna devido a uma tempestade. No retorno a São Paulo, Rindu, Mário e Martina vão percebendo que algo há algo errado, os carros estão parados na rodovia como se estivessem abandonados e, então, se dão conta de que as pessoas estão, na verdade, paralisadas, como manequins. Um detalhe: o mal não recaiu sobre os animais, que estão muito bem vivos.
O livro tem alguns problemas como capítulos são muito longos que repetem a idéia contida em outros, com situação diferente, ou a repetição da pergunta “estamos mortos?” e da afirmação “estamos loucos!”, sucessivas vezes. Isso é meio cansativo e faz o leitor ter ímpetos de pular para a próxima página.
Mas Blecaute também tem muitas qualidades que superam esses pequenos deslizes. Uma dessas qualidades é a narração de cenas bonitas e perturbadoras como as que retratam a cidade tomada de animais selvagens, ou a entrada de Rindu na Catedral da Sé, abandonada. Foi impossível não lembrar de Os doze macacos, filme de 1996, cujo pano de fundo era a proliferação de um vírus que exterminou a raça humana da superfície, mas que não afetava os animais; ou mesmo a O planeta do Macacos, versão anos setenta. É perturbador se ver tão pequenos e frágil frente a um mundo que outrora a humanidade pensava ser somente seu; e perturbador vislumbrar um futuro fictício onde as cidades que nos acostumamos em ver sempre em movimento, no ritmo do homem, ou seja, um ritmo e um tempo ditado pela ação humana, agora esteja a mercê do tempo da natureza.
Outro ponto positivo é a evolução dos personagens, suas ações e reações, emoções e estratégias para viver num mundo em que aparentemente eles são os únicos seres humanos vivos. De uma hora para outra cidade de São Paulo, antes um grão de areia, se comparada ao mundo, torna-se o próprio mundo dos personagens. Esse é o pulo do gato, é a grande pegada existencialista do livro. Durante a leitura, nós acabamos nos questionando sobre nossas próprias atitudes e reações caso fôssemos os únicos seres humanos da face da Terra. Fica a questão: podemos viver num mundo sem sociedade, sem organismos de controle, sem leis? Em quê nos transformaríamos? E, por que isso nos perturba tanto?
Coincidentemente, no fim de semana seguinte ao término do livro fui ao Arteplex, em Botafogo, e no caminho passo pelo Centro. O Centro do Rio, numa tarde de sábado por volta das 16 horas, é bastante deserto, e neste dia não se via viva alma na Presidente Vargas, altura do camelódromo. Foi impossível não lembrar das passagens em que São Paulo está deserta.

Blecaute
Marcelo Rubens Paiva
São Paulo: Editora Brasiliense, 1986. 6a. Edição.

Um comentário:

Anônimo disse...

Luiz Fernando N. Alves. Rua Peri, 1052, Eden, RJ - nandogy@hotmail.com.

Eu tenho 20 anos e também já li blecaute. Considero um ótimo livro de ficção científica brasileiro, apesar de concordar com os erros acima mencionados. O apelo sexual também me surpreendeu um pouco por ser uma "pitada de sal" no bolo. Ainda assim é um livro com uma história espetacular. Eu até gostaria que fizessemuma continuação, explicando, obviamente, o que foi que aconteceu...