
Eu caminhava numa pequena e fina via. A minha volta, várias estátuas. Por mais que encarasse como obras de arte, minha cabeça não parava de me perguntar se gostaria de ser enterrada num lugar como aquele, ou num campo gramado como o Jardim da Saudade. Eu realmente não sabia e queria, mesmo, que aquela pergunta descabida saísse de minha cabeça. Fazia frio e ventava. Arvores magras agitavam seus galhos nus ou mal vestidos de folhas secas. Era bonito, muito bonito e triste. Lembrei-me dos cemitérios em lugares pobres, onde já tinha ido em enterros de amigos ou parentes. É engraçado. Na frente os menos pobres, ostentando lápides cuidadosamente limpas, ornadas com flores. Às vezes estão decadentes, meio quebradas, ou são revestidas de ladrilhos. Tudo que possa denunciar algum orgulho, algum bem. Há fotos de família, velhos, jovens ou crianças mortas. Fotos de trinta, cinqüenta ou cem anos. São amontoados de lembraças, glórias e pequenos orgulhos. Para os fundos, os mais pobres ou miseráveis. Um ou outro indigente perdido com uma cruz de madeira marcando o lugar. Esta parte sim é um grande mausoléu de desalentados, de existências desvalidas e esquecíveis. Formigas e escorpiões passeiam entre as tumbas ou no meio da terra revolvida. O capim lastra e de vez em quando, um dos poucos funcionários do cemitério arranca o excesso. Parece um lugar esquecido e inglório.
Entretanto, aquela terra onde eu, então, caminhava não era uma terra qualquer, onde os escorpiões e formigas fazem casa e banquete. Era a terra dos eleitos. Só tradicionais famílias estavam ali. E mais uma vez minha cabeça oscilava entre a contemplação do silêncio, que embalava o sonho eterno dos mortos, a beleza fria e tranquila daquele cemitério, e a indignação pela existência desigual de um lugar como aquele. Por que, até na hora da morte, os ricos têm o direito de dormir tranqüilamente sem o inconveniente dos bichos peçonhentos, sua casa é admirada e transforma-se em objeto de desejo dos vivos, ao passo que os pobres devem se resignar com a terra afofada por bichos escrotos.
Mas era uma visão linda, esteticamente linda. Eu seria capaz de sentar num dos bancos de pedra que decoravam o lugar e ler um livro tranqüilamente, numa tarde de sol. De escrever contos e poemas sob a sombra de anjos e santos de mármore. Sim, eu ja imaginava como seria aquele lugar em dias de verão, ou tardes de primavera, as arvores ostentando folhas verdes ou florindo. Mas ainda me incomodava pisar ali, como se eu fosse uma intrusa, principalmente por conta de, estivesse me rondando e me dizendo que não era certo perturbar os mortos com tais questionamentos. Entretanto essa minha cabeça que me perguntava onde queria ser enterrada, que guardava os ensinamentos da catequese, e questionava a ordem social do mundo, não podia se furtar a refletir sobre aquele lugar. Que me perdoem as autoridades celestiais, mas foi inevitável!
Depois de fumar um cigarro e me torturar com tais pensamentos – sim, reflexões são torturantes, pois nos conduzem a um beco sem saída, onde as respostas não nos satisfazem e no fim nos quedamos com mais perguntas, mas há um tempo na vida em que nos importamos em não achar respostas e então somos forçados e nos resignar - saquei a máquina e achei melhor deixar tanto a contemplação, quanto a indignação de lado e começar o trabalho.
Tive orgulho de minhas fotos. Realmente ficaram lindas. Mas nunca me saiu da cabeça o contraste entre aquele lugar e os cemitérios suburbanos. Tive a certeza do quanto o mundo e a vida podem ser tristes, cruéis e áridos, até mesmo na morte. Na verdade, havia muito da vida que se vive naqueles locais de morte.
Entretanto, aquela terra onde eu, então, caminhava não era uma terra qualquer, onde os escorpiões e formigas fazem casa e banquete. Era a terra dos eleitos. Só tradicionais famílias estavam ali. E mais uma vez minha cabeça oscilava entre a contemplação do silêncio, que embalava o sonho eterno dos mortos, a beleza fria e tranquila daquele cemitério, e a indignação pela existência desigual de um lugar como aquele. Por que, até na hora da morte, os ricos têm o direito de dormir tranqüilamente sem o inconveniente dos bichos peçonhentos, sua casa é admirada e transforma-se em objeto de desejo dos vivos, ao passo que os pobres devem se resignar com a terra afofada por bichos escrotos.
Mas era uma visão linda, esteticamente linda. Eu seria capaz de sentar num dos bancos de pedra que decoravam o lugar e ler um livro tranqüilamente, numa tarde de sol. De escrever contos e poemas sob a sombra de anjos e santos de mármore. Sim, eu ja imaginava como seria aquele lugar em dias de verão, ou tardes de primavera, as arvores ostentando folhas verdes ou florindo. Mas ainda me incomodava pisar ali, como se eu fosse uma intrusa, principalmente por conta de, estivesse me rondando e me dizendo que não era certo perturbar os mortos com tais questionamentos. Entretanto essa minha cabeça que me perguntava onde queria ser enterrada, que guardava os ensinamentos da catequese, e questionava a ordem social do mundo, não podia se furtar a refletir sobre aquele lugar. Que me perdoem as autoridades celestiais, mas foi inevitável!
Depois de fumar um cigarro e me torturar com tais pensamentos – sim, reflexões são torturantes, pois nos conduzem a um beco sem saída, onde as respostas não nos satisfazem e no fim nos quedamos com mais perguntas, mas há um tempo na vida em que nos importamos em não achar respostas e então somos forçados e nos resignar - saquei a máquina e achei melhor deixar tanto a contemplação, quanto a indignação de lado e começar o trabalho.
Tive orgulho de minhas fotos. Realmente ficaram lindas. Mas nunca me saiu da cabeça o contraste entre aquele lugar e os cemitérios suburbanos. Tive a certeza do quanto o mundo e a vida podem ser tristes, cruéis e áridos, até mesmo na morte. Na verdade, havia muito da vida que se vive naqueles locais de morte.
Foto:Sâmia. http://semedeixafalar.blogspot.com/
7 comentários:
Oi Vivi!
Como andamos mórbidas as duas, náo? Às vezes é preciso falar da morte, e se falamos de escolas, praças etc, náo há como ignorar os cemitérios e sua funçáo nas cidades. É interessante isso de observar as diferenças de classes sociais inclusive para os mortos; que louco!
Ah, e quero ver essas fotos que vc tirou no cemitério. E a propósito, no dia em que visitei a Recoleta estava sem câmera, assim que essa foto foi roubada da internet. Ainda pretendo voltar lá pra fazer uma fotos bacanas.
Beijáo!
ah, e esqueci de dizer que ficou ótima a nova cara do blog.
beijo!
Eu não fiz fotos em cemitérios, Samia! rsrsrs....Essa é uma história que inventei, por conta de seu relato da visita à Recoleta e a observação dos cemitérios que ja fui. Essa parte dos cemitérios suburbanos é verdade, o Jardim da Saudade também, mas a situação é fictícia. Entretanto ja vi umas fotos do São JOão Batistas. Muito lindas. Um dia eu vou até lá fotografar. Mas também vou fotografar os cemitérios dos pobres, tem muita coisa pra se contar sobre eles e se ver também.
beijo grande!
Obrigada!!!! Até eu chegar nessa cara, menina, eu penei...hehe. Ele já ficou amarelo, cinza com fotos em pB até que cheguei nessa que está agora. Essa me satisfez, ficou bonita! bj.
Texto gracioso Viviane que fala dos pormenores dos lugares e as marcas que eles deixam na gente.Beijuuss
Que coisa... é exatamente o que sinto quando vou a um cemitério... e tenho horror de morrer e ser "enterrada" naquelas caixinhas que ficam umas em cima das outras. Tenho aquela imagem linda (é, linda mesmo!) dos filmes e novelas: todo mundo de preto, o padre rezando (e nem sou cristã!) caixão descendo naquele túmulo M A R A V I L H O S O!!! Hummm... acho melhor começar a guardar dinheiro! ahahahahaha.
Bjs
Olá!
Nossa, só agora vi seu comentário no meu blog...a terceira parte do "Letícia" foi postada ontem.
Ainda não tive tempo de ler todo seu blog - afinal, o acessei há menos de dez minutos - mas simplesmente adorei o conto "por que temos que ver a tia vera?".
Hipocrisia familiar é uma merda, vira e mexe me pego xingando mentalmente meus parentes (que, ou são sulistas homofóbicos, ou fanáticos religiosos, ou uma combinação de ambos - enfim, o típico ser humano medíocre e alienado) e sua maldita pretensão em se achar os donos da verdade.
Desejo do fundo do coração nunca ser igual a eles.
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