
Eu só tinha lido um livro de ficção científica. Adoro esse gênero de filme e por conta disso comprei de um livreiro no centro do Rio O Caçador de Andróides, pois já tinha assistido o filme homônimo (que foi inclusive baseado no livro), e como todos devem saber, esse filme é um dos ícones da ficção cientifica dos anos oitenta. Fora esse livro, eu era uma ignorante em literatura de ficção cientifica. Até que um casal de amigos meus me emprestou O homem Ilustrado – aqui foi publicado como Uma sombra passou por aqui, mas neste artigo, preferi manter título em inglês, com uma tradução literal, primeiro porque me foi apresentado com esse nome, segundo porque acho que tem mais a ver com a história.
Livro de contos de ficção científica, tem como personagem principal, espécie de fio condutor, um sujeito cujo o corpo é todo ilustrado (não tatuado, ilustrado mesmo) e cada ilustração conta uma história diferente – os 18 contos do livro - que não necessariamente se passam em seu tempo. Várias mostram um planeta destruído, mostram o futuro que nem sempre é o que se espera. Por conta disso, ele não é bem quisto entre a pessoas e está vagando por uma estrada perdida dos EUA, até que arranja como companhia um jovem.
A narrativa é fascinante e não deixa o leitor largar o livro, mas ao contrário do que vocês possam estar pensando, não é apenas um roteiro de aventura, onde o tema é um pretexto para a ação. Neste livro questões interessantes sobre o comportamento humano, existencialismo, relacionamento, medo, limites, questões sociais, são abordadas tendo como eixo inovações tecnológicas, viagens através do tempo, guerra atômica, viagens intergaláticas. A recorrência à guerra atômica e às viagens interplanetárias, é constante – Marte aparece como colônia da terra em três contos e em quase todos, onde a terra foi destruída, o motivo é a guerra atômica - o que demonstra o contexto histórico da produção dos contos: o mundo do pós-guerra, vivendo sob a sombra da guerra fria.
Há momentos em que o autor nitidamente aborda questões sociais do seu tempo: o consumismo norte-americano da "idade de outro"* – os dez anos do pós guerra – em A betoneira; e a questão racial, em O outro pé. No curtíssimo A estrada, a problema é a diferença de realidades entre um sujeito que vive em sua terra a beira da estrada, plantando e colhendo, e se aproveitando de tudo o que a estrada lhe deixa, e os passantes, geralmente de classe média, ou média alta que nunca o percebem.
Outros três contos especialmente me chamaram a atenção: Estepes Africanas, A grande Chuva e Os Expatriados. O primeiro, conta a história de uma família onde os filhos ganham de presente um quarto telepático, onde se reproduz, nas paredes, lugares imaginados pelo dono – neste caso, os filhos do casal. Só que a situação se complica quando a única imagem vista no quarto é de enormes leões africanos, se deliciando com uma carcaça. A mãe, começa a achar que os filhos, extremamente mimados, podem estar ficando psicóticos.
Em A grande chuva, a história se passa em Vênus, planeta nada parecido com a terra, contendo apenas um continente (o qual já foi dominado pelos terráqueos), coberto por uma vegetação densa, onde chove o tempo inteiro. A umidade, a falta de comida e de senso de direção e, principalmente, a chuva constante, fina, gelada, vai enlouquecendo os três astronautas terráqueos, que estão perdidos na floresta a procura de uma das três bases existentes no planeta. Nesse conto a narrativa é fantástica, as metáforas para descrever o efeito da chuva caindo sobre os corpos, a angústia de se sentir completamente molhado por dias, andando as cegas dentro de uma floresta que lembra muito a amazônica, é de enlouquecer.
O terceiro e, talvez, melhor conto, Os expatriados, conta a história de habitantes de Marte, que nada mais são que grandes autores da literatura ocidental – como Shakspeare, Charles Dickens, Edgar Alan Poe, e alguns mitos do ocidente. Exilaram-se lá porque a humanidade os baniu de sua imaginação e, portanto, de suas vidas, de sua história, devido ao avanço tecnológico, que não deixou espaço para a imaginação. O conflito se estabelece quando eles percebem uma nave terráquea se aproximando. Esse conto é fabuloso! Uma fantástica critica ao racionalismo, a busca pelo desvelamento do mundo através da ciência, a perda da imaginação, do medo do desconhecido, da emoção.
Existem outros tantos contos igualmente fantásticos neste livro. Seja pela história, pela forma como ela é contada, pelas metáforas utilizadas, pelo desenvolvimento... Entretanto, acho que a grande questão que ele nos coloca é: a onde nos levará o desenvolvimento científico, as novidades tecnológicas? Poderão nos destruir (física e moralmente), ou nos tornar pessoas melhores? Nada mais atual em tempos tão frenéticos em termos de avanços científicos e mudanças no modo de vida e relacionamento humano, em decorrência de tais avanços.
Reflexão e diversão garantidas.
Uma Sombra passou por aqui (The Ilustrated man). Ray Bradbury, 1951. São Paulo: Editora Edibolso, 1976. Disponível somente em sebos.
*"Idade de ouro", é o termo utilizado por Eric Hobsbawn, historiador marxista inglês, em A era dos extremos (cap. 09), para designar os trinta anos pós-2a. guerra (mais ou menos as décadas de 50, 60 e 70), período de grande desenvolvimento econômico vivido pelo ocidente europeu e pelos Estados Unidos.
P.S.: VALEU, Virgina e Mauro!!!!
18 comentários:
Putz...
Parece uma boa pedida! Vou caçar nos sebos... leio alguma coisa de ficção científica, mas nem tudo me agrada. Esse, ao menos da forma como vc descreveu, me pareceu do quinhão que vale a pena.
Vc gosta de literatura fantástica? Tenho algumas dicas se quiser...
Valeu pela dica! Já leu 1984, do George Orwell?
E falando em ficção científica, tem um blog muito interessante, onde o blogueiro se dedica a pesquisar sobre a forma que as pessoas do passdo imaginavam o futuro. Muiiiiiiito legal. Beijos.
opa... esqueci de coloca o endereço... é
http://paleo-future.blogspot.com
Oi Diego! Literatura fantastica que vc fala é coisas do tipo Senhor dos Aneis? Ou mais pauleira, tipo Stephen King?
Stephen king eu não gosto não. Senhor dos Aneis, um pouco. Mas mande as dicas.
Fala João! Já li 1984, e gostei muito mesmo. É fantástico aquele livro. Gostei da idéia desse blog que vc indicou. Vou dar uma olhada. Obrigada!
Vivi!!
Adorei sua resenha! Vc tem que ler outros do Bradbury, vai gostar!
Ah! E adorei aparecer no Blog, vou ficar famosa, assim. hehehehe
Beijos.
Olha, Viviane, vc está de parabéns! Essa resenha ficou coisa de profissional! Meu antigo professor de Literatura ia ficar seu fã, com certeza!! Muito boa, MESMO!
Inclusive, fiquei até com vontade de ler esse livro (tb gosto de ficção científica, mas ainda não li nenhum livro do gênero). Pq só pode ser encontrado em sebos? Não foi relançado?
Mais uma vez, parabéns! Estou colocando o link de seu blog no 'Boneco Verde'!
Ô Virginia, obrigada!
Ficou legal a resenha, né? Menina, quero ler sim, adorei esse livro! Ah, eu tinha mesmo que citar vc e o Mauro. Vcs sempre me dão boas dicas de leitura e filmes também.
* * * * *
Oi Ciro!
Poxa, obrigada. Eu sempre leio seus textos e gosto muito. Essa sua crítica me deixa muito feliz. Obrigada mesmo. Eu também gostei do resultado. Acho que ficou legal porque o livro me impressionou bastante.
Sobre o livro, bom, eu sugeri os sebos porque o exemplar que li é antigo, mas vou pesquisar nas livrarias. Sobre ficção científica, leia esse, você não se arrependerá e leia também algo do Philip K. Dick. Ele escreveu "O caçador de andróides" e também mais dois livros que viraram filmes: "O vingador do futuro" e "Minority Report". (mas eu so li O caçador...)
Parabéns, através de sua bela resenha, quero ler o livro.
Sua resenha é ótima... morri de inveja rsss.
vc leu cronica marcianas?
oi Carola!
Menina, não, não li, mas minha amiga deve me emprestar outros livros desse autor. Valeu! bj.
Oi Eduardo. Leia, sim. É muito bom. Valeu!
Confesso que esse é um estilo que nunca me atraiu, mas acabei ficando curiosa, agora.
Ah, e sobre os avanços tecnológicos, acho que nos vão levar ao buraco. E bem fundo.
Bjos
Putz, eu sempre me amarrei em ficção científica, mas como disse no ensaio, não tinha lido nada, so assisitido filmes.
Olha, não acho que é a tecnologia que nos levará para o buraco. Eu acho que seremos nós mesmos que o faremos, talvez, fazendo mal uso da tecnologia.
bjão Samia.
bem, vc foi lá e me trouxe até aqui... também gosto muito desse cara aí, conhece "A Cidade Perdida de Marte"? é fabuloso, esse é o cara que me fez perder o preconceito com a ficção científica.
Olá, Viviane!
Tinha que deixar um comentário por aqui, não resisti. Sou muito fã de Ray Bradbury.
Se já não tivesse lido o livro, com certeza, sairia correndo a procura depois de ler essa resenha.
"A Bruxa de Abril e Outros Contos" foi o último livro dele que li, isso foi no ano passado.
Muito obrigado pelas visitas e comentários no meu blog! Sempre que tiver um tempinho, passarei pra ver as novidades.
Ah, te "linkei"! Tá nos meu favoritos!
Té mais!
Olá Viviane
Estou faz tempo tentando conseguir uma cópia do filme "uma sombra passou por aqui", baseado no livro do Bradbury e acabei caindo no seu blog. Realmente o livro é muito bom. O filme também é legal mas não tem todas as histórias do livro. Mas duas das que você mais gostou estão lá (o do quarto telepático e o da chuva constante em Venus). Esse filme passou na TV comercial inúmeras vezes, no tempo em que não existia video cassete (você não é desse tempo...). Hoje em dia a versão dublada ou legendada em portugues é uma raridade. Eu consegui baixar uma cópia em DIVx original em ingles. Caso você use e-mule conseguirá baixar também sem problemas procurando por "the ilustrated man". Abração e boa sorte.
Romanzeira: Sou um leitor voraz e contumaz, de tudo. Obrigado pela dica do Bradbury - não conhecia, não li nenhuma obra dele, mas vou começar por este "O Home Ilustrado" do qual você falou tão bem. Vou procurar nas bibliotecas a que tenho acesso e espero encontrar. Um grande abraço. Deixo meu e-mail para contato: henrihq@gmail.com
Ao Joe:
link-se no Rapadura do Eudes. Nesse blog "tá assim" de filmes raros.
Estendo o convite aos demais.
http://rapaduradoeudes.blogspot.com/
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