
Todos diziam que era estranha e por isso muitos a viam com desconfianças. Ela adorava a água, principalmente o mar. Talvez porque nasceu num regato. Sim, a mãe, já com nove meses bem vividos, pariu num regatinho quando voltava da lavagem de roupas. Não deu tempo de chamar ninguém, embora algumas mulheres, que lhe acompanhavam, os outros filhos tivessem corrido à aldeia para pedir ajuda. A mãe disse que a criança já nasceu nadando, e nem chorou. Todos acharam isso muito estranho e pensaram logo em mal agouro. O fato foi que nada aconteceu nos dias e meses após o nascimento da pequena e toda a aldeia respirou aliviada, concluindo que fora apenas uma cisma.
A menina foi crescendo, e sua ligação com a água se estreitava. Era capaz de ficar horas no mar ou nos rios e sua pele permanecia a mesma. Entre todos dos colegas, era a que tinha mais fôlego, e conseguia mergulhar mais fundo. Nadava a noite, à lua cheia, brincava na água. Conhecia todos os peixes e podia vê-los a luz da lua. Cardumes azuis, verdes, prateados, estrelas do mar, navios naufragados...Sua própria beleza se misturava a do oceano e de seus habitantes. Costumava sentar-se nos corais e de lá observar o trabalho dos pescadores na praia, a preparação das redes, os barcos entrando no mar prontos para abrí-lo, sangrá-lo...No que ela pensava? Ninguém sabia, só se sabia que nadava a lua cheia, sentava-se no banco de corais a observar a praia e andava pela cidade com um colar de conchas no pescoço e outro no tornozelo, das mais variadas que pegava na profundidade do oceano.
Era chamada "a filha do mar", para desgosto dos pais que já pressentiam problemas com a menina. Era provável que por conta de seu comportamento tão indolente e amalucado nunca arranjasse marido. Nenhum pescador pensava em aproximação com ela, embora todos a achassem muito bonita. Ela também não se interessava por esses assuntos, pois ainda era muito menina a pesar de sua beleza e de seu corpo que já começava a se formar. O que noutra situação deixaria os pais tranqüilos, despertava, agora, de maneira contrária, preocupação. Se não arranjasse marido seria um peso morto na família.
Até que passou por aquelas banda um desconhecido, um homem velho e mal pousou os olhos na menina a desejou. A desejou ferozmente, como um lobo deseja uma gazela, queria possuí-la, de tê-la, de deflorá-la. Demorou-se na aldeia mais tempo do que se podia esperar de um forasteiro rico. Em geral eles não só passavam, levavam um peixe ou tomavam uma pinga na venda. Ele andava pelas ruelas espreitando a menina, observando-a com olhos famintos e mãos nervosas. Todos na aldeia perceberam que havia algo errado naquela permanência tão longa, todos sabiam que tinha a ver com a "filha do mar", mas nada fizeram a respeito, na verdade observavam como espectadores ansiosos pelo próximo passo, pelo próximo capítulo, conjecturando por entre olhares e risos maliciosos. Olhares desejosos por trás da observação, como voyeres se deliciavam com aquela perseguição silenciosa, aguardando o espetáculo do desfecho. Outros, principalmente a mulheres diziam que era o que ela, com seu comportamento voluntariosamente diferente, queria. Os pais, fizeram vista grossa, finalmente havia a perspectiva da filha arranjar finalmente um casamento, ou talvez de alguma forma o forasteiro a levasse e sustentasse. Estariam livres de uma responsabilidade.
Até que numa tarde quando voltava para casa da lavagem de roupa, numa tarde amarela e quente de verão seus colares foram arrancados e suas conchas esmagadas, num casebre velho nas proximidades da aldeia. Ninguém a ouviu gritar, e chorar, e talvez se ouvissem fizessem ouvidos moucos. Sentiu dor da defloração, o medo e a humilhação de quem é agredida e estuprada sem chance de defesa.
O forasteiro sumiu sem deixar rastro e a noticia correu como um raio. Os olhares maliciosos rodavam de um para outro no bar, as línguas faiscavam de vivacidade, delirantes como chicotes açoitando a vitima, sorridentes entre uma lambada e outra. Sim quase toda a aldeia entre murmúrios e silêncios especulava, agora, qual seria a sorte da menina, qual seria a sorte de sua família, e sentiam um prazer extremamente humano com a desgraça alheia.
Ao chegar em casa, suja de sangue e com as roupas rasgadas, os pais lhe deram uma boa surra – por andar feito uma "puta", solta pela cidade, na certa isso provocou o homem. Rezavam a Deus que ela não pegasse barriga, pois seria mais uma boa a comer.
Ela não entendeu os motivos dos pais lhe surrarem, nem por que seu comportamento teria motivado o abuso, mas percebeu o quanto as pessoas podem ser cruéis e intolerantes. Então, a dor física passou a ser dor na alma, uma dor profunda e aguda para alguém tão jovem. E olhando o mar que cantava se batendo na areia ainda mais bonito em ondas mansas, de um azul profundo, teve vontade entrar. Ele era seu mundo, seu lugar. E foi assim que no fim daquela tarde causticante, em que entendeu muito da vida, mais, que se tivesse vivido uma vida inteira, ela desapareceu no meio do mar.
Os pais se arrependeram e choraram a morte da filha, foram consolados pelos outros aldeões que lhes diziam, "ela era mesmo filha do mar". A aldeia continuou existindo, prosperou, definhou e morreu, consumida pela especulação imobiliária, pelas grandes companhias de pesca e pela poluição. A menina nunca mais foi vista, seu corpo nunca foi encontrados, mas dizem alguns marinheiros que caíram ao mar, e náufragos, que puderam ver em algum momento de submersão, uma linda garota, ornada de colares e pulseira de conchas e coroada de estrelas do mar das mais variadas cores, brincando em meio a cardumes de peixes cintilantes.
A menina foi crescendo, e sua ligação com a água se estreitava. Era capaz de ficar horas no mar ou nos rios e sua pele permanecia a mesma. Entre todos dos colegas, era a que tinha mais fôlego, e conseguia mergulhar mais fundo. Nadava a noite, à lua cheia, brincava na água. Conhecia todos os peixes e podia vê-los a luz da lua. Cardumes azuis, verdes, prateados, estrelas do mar, navios naufragados...Sua própria beleza se misturava a do oceano e de seus habitantes. Costumava sentar-se nos corais e de lá observar o trabalho dos pescadores na praia, a preparação das redes, os barcos entrando no mar prontos para abrí-lo, sangrá-lo...No que ela pensava? Ninguém sabia, só se sabia que nadava a lua cheia, sentava-se no banco de corais a observar a praia e andava pela cidade com um colar de conchas no pescoço e outro no tornozelo, das mais variadas que pegava na profundidade do oceano.
Era chamada "a filha do mar", para desgosto dos pais que já pressentiam problemas com a menina. Era provável que por conta de seu comportamento tão indolente e amalucado nunca arranjasse marido. Nenhum pescador pensava em aproximação com ela, embora todos a achassem muito bonita. Ela também não se interessava por esses assuntos, pois ainda era muito menina a pesar de sua beleza e de seu corpo que já começava a se formar. O que noutra situação deixaria os pais tranqüilos, despertava, agora, de maneira contrária, preocupação. Se não arranjasse marido seria um peso morto na família.
Até que passou por aquelas banda um desconhecido, um homem velho e mal pousou os olhos na menina a desejou. A desejou ferozmente, como um lobo deseja uma gazela, queria possuí-la, de tê-la, de deflorá-la. Demorou-se na aldeia mais tempo do que se podia esperar de um forasteiro rico. Em geral eles não só passavam, levavam um peixe ou tomavam uma pinga na venda. Ele andava pelas ruelas espreitando a menina, observando-a com olhos famintos e mãos nervosas. Todos na aldeia perceberam que havia algo errado naquela permanência tão longa, todos sabiam que tinha a ver com a "filha do mar", mas nada fizeram a respeito, na verdade observavam como espectadores ansiosos pelo próximo passo, pelo próximo capítulo, conjecturando por entre olhares e risos maliciosos. Olhares desejosos por trás da observação, como voyeres se deliciavam com aquela perseguição silenciosa, aguardando o espetáculo do desfecho. Outros, principalmente a mulheres diziam que era o que ela, com seu comportamento voluntariosamente diferente, queria. Os pais, fizeram vista grossa, finalmente havia a perspectiva da filha arranjar finalmente um casamento, ou talvez de alguma forma o forasteiro a levasse e sustentasse. Estariam livres de uma responsabilidade.
Até que numa tarde quando voltava para casa da lavagem de roupa, numa tarde amarela e quente de verão seus colares foram arrancados e suas conchas esmagadas, num casebre velho nas proximidades da aldeia. Ninguém a ouviu gritar, e chorar, e talvez se ouvissem fizessem ouvidos moucos. Sentiu dor da defloração, o medo e a humilhação de quem é agredida e estuprada sem chance de defesa.
O forasteiro sumiu sem deixar rastro e a noticia correu como um raio. Os olhares maliciosos rodavam de um para outro no bar, as línguas faiscavam de vivacidade, delirantes como chicotes açoitando a vitima, sorridentes entre uma lambada e outra. Sim quase toda a aldeia entre murmúrios e silêncios especulava, agora, qual seria a sorte da menina, qual seria a sorte de sua família, e sentiam um prazer extremamente humano com a desgraça alheia.
Ao chegar em casa, suja de sangue e com as roupas rasgadas, os pais lhe deram uma boa surra – por andar feito uma "puta", solta pela cidade, na certa isso provocou o homem. Rezavam a Deus que ela não pegasse barriga, pois seria mais uma boa a comer.
Ela não entendeu os motivos dos pais lhe surrarem, nem por que seu comportamento teria motivado o abuso, mas percebeu o quanto as pessoas podem ser cruéis e intolerantes. Então, a dor física passou a ser dor na alma, uma dor profunda e aguda para alguém tão jovem. E olhando o mar que cantava se batendo na areia ainda mais bonito em ondas mansas, de um azul profundo, teve vontade entrar. Ele era seu mundo, seu lugar. E foi assim que no fim daquela tarde causticante, em que entendeu muito da vida, mais, que se tivesse vivido uma vida inteira, ela desapareceu no meio do mar.
Os pais se arrependeram e choraram a morte da filha, foram consolados pelos outros aldeões que lhes diziam, "ela era mesmo filha do mar". A aldeia continuou existindo, prosperou, definhou e morreu, consumida pela especulação imobiliária, pelas grandes companhias de pesca e pela poluição. A menina nunca mais foi vista, seu corpo nunca foi encontrados, mas dizem alguns marinheiros que caíram ao mar, e náufragos, que puderam ver em algum momento de submersão, uma linda garota, ornada de colares e pulseira de conchas e coroada de estrelas do mar das mais variadas cores, brincando em meio a cardumes de peixes cintilantes.
13 comentários:
Bom conto.Prendeu-me a leitura.Até.
Amei o conto...e amei o seu espaço,vou colocar um link, para visitar sempre...beijos
Sua narrativa nos prende até o fim. Além da criatividade ímpar. Meus sinceros parabéns!!
Abraços!
oq q é isso? Nós temos q fazer uma compilação de contos pra publicar.
Viviane na acadêmia Brasileira de letras!!
bjos!
Uau, muito bonito... no fim ela pode se juntar ao único amor de sua vida: o mar.
Beijos.
VISITE
http://culturaworld.blogspot.com/
É UM BLOG PARA POSTAR O SEU ENDEREÇO CULTURAL, COM FOTO E UMA LEGENDA E DAR MAIS VISIBILIDADE AO SEU TRABALHO. PARTICIPE, É GRÁTIS, CONVIDE AMIGOS QUE TAMBÉM TÊM BLOGS E QUEREM VER SEUS TRABALHOS MAIS VISITADOS.
Oi Vivi!
Lindíssimo o texto. Acho que um dos melhores, junto com aquele do pintor, que já comentei contigo o quanto gostei.
Posso te dar uma sugestão? Dá uma revisada, acho que deixou passar alguns detalhes. Coisas bobas de revisão mesmo.
Beijos!
Olá, seu linque já está no Culturalworld, com foto.
Convide seus amigos tb para irem p lá.
abcs
Bem triste o texto, mas com certeza prendeu minha curiosidade de saber o final.Narativa perfeita.Beijuuss conterânea
Se fosse na amazonia seria filha do Bôto... por designios místicos ou descarção... mas longe dos rios e dos ribeirinhos... só omar basta porque é grande demais... belo texto... Obrigado por comentar lá no baralho!!!
Olá, Viviane!
Muito obrigado pela visita e comentário no meu blog!
Quero voltar pra cá com mais calma...bisbilhotar tudo...
Té mais!
Conto belo, Muito bom!!!!
Oi Viviane,
Obrigado pela visita!
Você tem aqui um bom canto. Um bom conto! Gostei bastante do clima de "causo" que teve a história, como aquelas histórias de saci que a gente houve sempre que vai para o interior. Bom, está adicionadíssima em minhas leituras freqüentes.
Beijos
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