
Isso aconteceu nos primeiros anos da escola de artes há muito e muito tempo. Ela chegou numa tarde, com pouco sol, dois dias após a publicação do anúncio. Um sobretudo e um vestido monocromático, verde água. Os cabelos, passando um pouco dos ombros, eram pretos e amarrados para trás. Não era uma mulher que chamasse a atenção a primeira vista. Não sabia a idade dela, devia ter talvez uns 25 ou mais um pouco, não sabia de sua profissão ou sua vida, com quem morava, se era casada...nada. Combinaram que ela chegaria sempre às duas horas. Era um horário bom para ambos. Para ele porque tinha bastante luz e poderia praticar após a soneca de uma hora após o almoço, poderia fica até duas ou mais horas observando e desenhando-a. Para ela: ? Ele não sabia. Ela somente disse que era o melhor horário também. O pagamento: pouco para uma profissional, o que ela certamente não era; a medida certa para um estudante.
Às duas horas do dia seguinte ela tocou a campainha. Ele não entendeu por que se sobressaltou e tinha as mãos suadas. Ela foi entrando, deslizando pela sala. Perguntou onde deveria ficar. Ele disse que ali mesmo. Seu rosto não tinha qualquer expressão e ele achou mesmo que era uma profissional, por conta da naturalidade com que tirou a roupa. Mas quando percebeu que ele observava seu corpo nu, pareceu se incomodar. Sua pele arrepiou, a respiração tornou-se rápida e nervosa, os seio incharam tornando os bicos salientes. Ela pareceu encolher-se e enrijecer. Houve um momento de um tênue constrangimento entre ambos e ele não entendia por que sentia-se constrangido, não era a primeira vez que desenharia um nu feminino. Tentou agir com naturalidade e pediu a ela que ficasse como achasse melhor. Ela então ficou de perfil contra a luz da janela, sentada sobre o divã com as pernas flexionadas, os cotovelos sobre o joelho, e os olhos fitando o nada. Uma pose tímida, mas ele podia ver os seios ainda salientes. Ela ficou nesta pose por alguns dias até ele terminar o retrato.
No fim de um mês, pode ver todo o corpo que ela tinha vergonha em mostrar. Não era esbelta nem proporcional. As nádegas, mais fartas que os seios, barriga levemente saliente, o sexo farto em pelos, sempre bem aparados. No dia em que a viu completamente nua, mais uma vez sentiu um constrangimento inconveniente. Ela já parecia mais descontraída, em seu rosto um leve sorriso, sua pele estava morna, tão morna que ele podia sentir mesmo de longe. Mas ela não o encarava e ele temia, mesmo, que ela o fizesse e não entendia o motivo desse temor, pois já havia visto várias modelos, ela não era a primeira.
Ele já observava seu olhar, seu jeito, a forma como chegava e se despia, o pudor disfarçado numa falsa naturalidade. Se perguntava no que ela estaria pensando enquanto ficava deitada despida, ou sentada numa cadeira ou no divã mesmo, com o olhar perdido, vagando, vagando... Ele chegou a odiá-la por manter-se sempre tão silenciosa, e nunca revelar mais que seu corpo e o olhar distante, sempre direcionado a qualquer objeto menos a ele. Sim, ela era capaz de olhar, por horas, uma parede lisa, mas para ele nada, nem um rabo de olho.
Irritava-o a indiferença e abominou a idéia de ter contratado uma modelo para praticar. Pensou em mudar o enfoque das poses. Deteria-se, apenas, em desenhar braços, pernas, pés, mãos, mas era mais forte que qualquer razão o desejo de desenhá-la inteira e nos mínimos detalhes.
Para castigá-la (ou lhe chamar a atenção), resolveu que iría usá-la como bem lhe conviesse. Já que durante toda a tarde seu corpo era dele, decidiu retratá-la em poses não mais delicadas ou casuais, mas eróticas, obscenas. Ela, tal qual seu papel de modelo, obedeceu às suas ordens e parecia, com essa indiferença, testá-lo e ele não sabia se era por maldade ou era a indiferença de todas as modelos. Sim, talvez ela tivesse aprendido a proteger-se da vergonha natural de expor-se a um desconhecido, sob a indiferença, e isso o matava, pois sabia que por esta razão, para ela, ele não era mais que uma parede lisa, um vaso ou um cinzeiro.
Em meses, ele já não conseguia disfarçar o desejo de encontrá-la todas as tardes. Ansiava pelo término das aulas e nem se importou quando foi o melhor da turma, em desenho de figuras humanas. Sim ele a desenhou com perfeição, mesmo sem vê-la. Ela estava em sua cabeça, em seus olhos, em suas mãos, ao riscar o carvão na tela.
Numa tarde, tentando respirar, a dispensou. Nem a deixou entrar no prédio, pediu que o porteiro a despachasse na calçada e acompanhou a conversa, da janela. Pensou ter visto seu rosto decepcionado, o que o deixou satisfeito, mas quando ela rodou os calcanhares e se foi, desaparecendo na esquina, sua esperança morreu. Não, deveria estar feliz por ter a tarde livre. Ele saiu e foi visitar uma de suas “amigas” e sua frustração, que ele não sabia explicar de onde vinha, mostrou-se mais viva quando não conseguiu terminar o ato. Não, ele só pensava em sua modelo, no seu olhar, em seu cabelo, a curva do pescoço, os ombros estreitos, os seios morenos.
Voltou pra casa aturdido e deixou-se cair na bebedeira. Dormiu sobre o divã em que ela se deitava todos os dias e sentiu seu cheiro. Quem era o dono desse cheiro naquela noite? Quem se deitava sobre aquele seio, quem o beija, quem se embolava em seus cabelos e entrava em sua umidade – a mesma que ele pensou ver um dia – e guardava seu gozo...Quem? Ele dormiu sentindo seu cheiro e chorando.
No dia seguinte, a recebeu como de costume. Ela retomou sua última pose: sentada com as pernas abertas de frente para o encosto da cadeira. Ele a retratava de perfil. Mas nesta tarde ordenou: “Não, de perfil não, olhe pra mim. Quero você olhando para mim” Ela baixou os olhos, piscou e engoliu em seco. Ele pensou perceber uma estranha confusão em seu olhar. “Algum problema? Quero retratar o seu olhar.” “Não nenhum problema” ela disse baixo. Virou o rosto, e o encarou. Seu olhar era de pedra ao passo que o dele era água, a pura água do mar, que vinha em ondas e mais ondas lhe salgando os olhos. Concentrou-se no desenho, e trabalhou no rosto e no olhar dela com empenho vital. Terminado, ele ficou observando...Por um longo tempo, olhou-a se vestir de vagar, visivelmente cansada...Já passava e muito das cinco da tarde e o sol morria. “Você esta dispensada” disse, lacônico. “Na sexta, venho no mesmo horário?” “Não, quis dizer que não preciso mais do seu trabalho.” Ela parou de vestir o sobretudo e olhou para ele, e agora ela o via – sim, ele sabia que ela o via. Agora ele era alguém. Ela pareceu confusa, meio surpresa e logo baixou os olhos. “Bom, eu também ia dizer que já arranjei um emprego e não poderia continuar com o trabalho no próximo mês” Um emprego...que emprego seria esse? Ele pensou em perguntar mas não o fez. “Bom, então está tudo certo, o pagamento adiantado...Obrigada pelo serviço” “Por nada”. Apertaram as mãos. Ele sentiu as dela, trêmulas e as suas, suadas. Percebeu o olhar dela buscando algo nele, a expressão que ele tanto procurou no dela, nos últimos meses, e nunca encontrou. A reação que ele procurou durante aquela longa tarde e ela não teve, ou maldosamente dissimulou. E, agora, surpreendia-se por não ter reação nenhuma também, de não saber o que fazer e se fechar no silêncio. Sim, em todos esses meses ele se fechou no silêncio. Ela deu as costas e sumiu no corredor.
Da janela, ele a viu chegar à calçada, a viu olhar para o apartamento, um olhar que ele não entendeu, que parecia procurar algo. Por fim se foi a passos curtos, que lhe pareceram tristes. Ele não sabia...nunca saberia...
Nem ela saberia que ele chorou aquela noite inteira e muitas outras, ainda, choraria. Nunca saberia de uma paixão que surgiu e morreu silenciosa, apenas expressa em telas, papel, carvão, nanquim, óleo e aquarela, que se diluía e reconstituía em tiner e linhaça a cada dia, cada semana. Ele acompanhou, pela última vez, seu corpo até a esquina, onde sumiu, e nunca mais a viu.
Às duas horas do dia seguinte ela tocou a campainha. Ele não entendeu por que se sobressaltou e tinha as mãos suadas. Ela foi entrando, deslizando pela sala. Perguntou onde deveria ficar. Ele disse que ali mesmo. Seu rosto não tinha qualquer expressão e ele achou mesmo que era uma profissional, por conta da naturalidade com que tirou a roupa. Mas quando percebeu que ele observava seu corpo nu, pareceu se incomodar. Sua pele arrepiou, a respiração tornou-se rápida e nervosa, os seio incharam tornando os bicos salientes. Ela pareceu encolher-se e enrijecer. Houve um momento de um tênue constrangimento entre ambos e ele não entendia por que sentia-se constrangido, não era a primeira vez que desenharia um nu feminino. Tentou agir com naturalidade e pediu a ela que ficasse como achasse melhor. Ela então ficou de perfil contra a luz da janela, sentada sobre o divã com as pernas flexionadas, os cotovelos sobre o joelho, e os olhos fitando o nada. Uma pose tímida, mas ele podia ver os seios ainda salientes. Ela ficou nesta pose por alguns dias até ele terminar o retrato.
No fim de um mês, pode ver todo o corpo que ela tinha vergonha em mostrar. Não era esbelta nem proporcional. As nádegas, mais fartas que os seios, barriga levemente saliente, o sexo farto em pelos, sempre bem aparados. No dia em que a viu completamente nua, mais uma vez sentiu um constrangimento inconveniente. Ela já parecia mais descontraída, em seu rosto um leve sorriso, sua pele estava morna, tão morna que ele podia sentir mesmo de longe. Mas ela não o encarava e ele temia, mesmo, que ela o fizesse e não entendia o motivo desse temor, pois já havia visto várias modelos, ela não era a primeira.
Ele já observava seu olhar, seu jeito, a forma como chegava e se despia, o pudor disfarçado numa falsa naturalidade. Se perguntava no que ela estaria pensando enquanto ficava deitada despida, ou sentada numa cadeira ou no divã mesmo, com o olhar perdido, vagando, vagando... Ele chegou a odiá-la por manter-se sempre tão silenciosa, e nunca revelar mais que seu corpo e o olhar distante, sempre direcionado a qualquer objeto menos a ele. Sim, ela era capaz de olhar, por horas, uma parede lisa, mas para ele nada, nem um rabo de olho.
Irritava-o a indiferença e abominou a idéia de ter contratado uma modelo para praticar. Pensou em mudar o enfoque das poses. Deteria-se, apenas, em desenhar braços, pernas, pés, mãos, mas era mais forte que qualquer razão o desejo de desenhá-la inteira e nos mínimos detalhes.
Para castigá-la (ou lhe chamar a atenção), resolveu que iría usá-la como bem lhe conviesse. Já que durante toda a tarde seu corpo era dele, decidiu retratá-la em poses não mais delicadas ou casuais, mas eróticas, obscenas. Ela, tal qual seu papel de modelo, obedeceu às suas ordens e parecia, com essa indiferença, testá-lo e ele não sabia se era por maldade ou era a indiferença de todas as modelos. Sim, talvez ela tivesse aprendido a proteger-se da vergonha natural de expor-se a um desconhecido, sob a indiferença, e isso o matava, pois sabia que por esta razão, para ela, ele não era mais que uma parede lisa, um vaso ou um cinzeiro.
Em meses, ele já não conseguia disfarçar o desejo de encontrá-la todas as tardes. Ansiava pelo término das aulas e nem se importou quando foi o melhor da turma, em desenho de figuras humanas. Sim ele a desenhou com perfeição, mesmo sem vê-la. Ela estava em sua cabeça, em seus olhos, em suas mãos, ao riscar o carvão na tela.
Numa tarde, tentando respirar, a dispensou. Nem a deixou entrar no prédio, pediu que o porteiro a despachasse na calçada e acompanhou a conversa, da janela. Pensou ter visto seu rosto decepcionado, o que o deixou satisfeito, mas quando ela rodou os calcanhares e se foi, desaparecendo na esquina, sua esperança morreu. Não, deveria estar feliz por ter a tarde livre. Ele saiu e foi visitar uma de suas “amigas” e sua frustração, que ele não sabia explicar de onde vinha, mostrou-se mais viva quando não conseguiu terminar o ato. Não, ele só pensava em sua modelo, no seu olhar, em seu cabelo, a curva do pescoço, os ombros estreitos, os seios morenos.
Voltou pra casa aturdido e deixou-se cair na bebedeira. Dormiu sobre o divã em que ela se deitava todos os dias e sentiu seu cheiro. Quem era o dono desse cheiro naquela noite? Quem se deitava sobre aquele seio, quem o beija, quem se embolava em seus cabelos e entrava em sua umidade – a mesma que ele pensou ver um dia – e guardava seu gozo...Quem? Ele dormiu sentindo seu cheiro e chorando.
No dia seguinte, a recebeu como de costume. Ela retomou sua última pose: sentada com as pernas abertas de frente para o encosto da cadeira. Ele a retratava de perfil. Mas nesta tarde ordenou: “Não, de perfil não, olhe pra mim. Quero você olhando para mim” Ela baixou os olhos, piscou e engoliu em seco. Ele pensou perceber uma estranha confusão em seu olhar. “Algum problema? Quero retratar o seu olhar.” “Não nenhum problema” ela disse baixo. Virou o rosto, e o encarou. Seu olhar era de pedra ao passo que o dele era água, a pura água do mar, que vinha em ondas e mais ondas lhe salgando os olhos. Concentrou-se no desenho, e trabalhou no rosto e no olhar dela com empenho vital. Terminado, ele ficou observando...Por um longo tempo, olhou-a se vestir de vagar, visivelmente cansada...Já passava e muito das cinco da tarde e o sol morria. “Você esta dispensada” disse, lacônico. “Na sexta, venho no mesmo horário?” “Não, quis dizer que não preciso mais do seu trabalho.” Ela parou de vestir o sobretudo e olhou para ele, e agora ela o via – sim, ele sabia que ela o via. Agora ele era alguém. Ela pareceu confusa, meio surpresa e logo baixou os olhos. “Bom, eu também ia dizer que já arranjei um emprego e não poderia continuar com o trabalho no próximo mês” Um emprego...que emprego seria esse? Ele pensou em perguntar mas não o fez. “Bom, então está tudo certo, o pagamento adiantado...Obrigada pelo serviço” “Por nada”. Apertaram as mãos. Ele sentiu as dela, trêmulas e as suas, suadas. Percebeu o olhar dela buscando algo nele, a expressão que ele tanto procurou no dela, nos últimos meses, e nunca encontrou. A reação que ele procurou durante aquela longa tarde e ela não teve, ou maldosamente dissimulou. E, agora, surpreendia-se por não ter reação nenhuma também, de não saber o que fazer e se fechar no silêncio. Sim, em todos esses meses ele se fechou no silêncio. Ela deu as costas e sumiu no corredor.
Da janela, ele a viu chegar à calçada, a viu olhar para o apartamento, um olhar que ele não entendeu, que parecia procurar algo. Por fim se foi a passos curtos, que lhe pareceram tristes. Ele não sabia...nunca saberia...
Nem ela saberia que ele chorou aquela noite inteira e muitas outras, ainda, choraria. Nunca saberia de uma paixão que surgiu e morreu silenciosa, apenas expressa em telas, papel, carvão, nanquim, óleo e aquarela, que se diluía e reconstituía em tiner e linhaça a cada dia, cada semana. Ele acompanhou, pela última vez, seu corpo até a esquina, onde sumiu, e nunca mais a viu.
10 comentários:
Nossa, não consegui deixar de ler. Muito bom, parabéns!! Beijos.
Moça .. é lindo ta de parabéns. É de uma delicadesa e uma sensibilidade unica. mas onde estão os demonios?? São os olhos a se desencontrarem? Ou é oque eles querem dizer e não dizem...
Moça parabéns, lindo!
Achei bonito, platônico e cheio de devaneios naturais aos humanos, as fantasias não ditas.
É delicado,
Sensível e acho que o mundo precisa disso,
Beijos
olá viva,seu conto,desta vez arrebentou,está a altura de um profissional,o melhor escrito seu que eujá li.o caminho é esse,você já está nele,agora é só seguir,e o sucesso é certo.muitas beijocas de sua irmã Eliane.
Rsrsrs...Calma, Eliane...rsrsrs Obrigada pela força, Nana! É esse apoio que me faz continuar em tudo, tudo na vida...Valeu!
Agradecendo:
Valeu Lúcia! É primeira vez que visita e espero que volte sempre, e espero tambem sempre agradar e quando não agradar que vc diga! Criticas são bem vindas.
Valeu Ester! Leitora fiel e grande amiga.
Valeu Camilla! E vc é escritora sim, só falta publicar o livro e é claro, eu contribuirei para aumentar seu fundo monetário, comprando-o! rs... Obrigada pela visita e pelas palavras...Será sempre bem vinda.
Meravilhoso conto. Vi um filme de romance. Que talento.
Viviane. vc tá cada vez melhor.
Abraços
Edu
Muito bom o seu texto. Obrigado pela visita e pelos comentários lá no meu blog.
Obrigada Rapazes! Obrigada especial para vc Edu, que nunca tinha visitado. Volta sempre, cara!
beijos a todos.
vivi
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