3.2.10

As Invasões Bárbaras - Reflexões sobre cinema, história e a existência...

Acabei de assistir "As invasões bárbaras". Embora "O Declínio..." tenha um roteiro bom de mais, "As invasões..." é extremamente bonito. Estou sem palavras mais uma vez - sim, pois há seis anos quando o assisti no cinema do Passo foi assim que fiquei, sem palavras... Saí do cinema em lágrimas e pensei nesse filme por vários dias... Em "As Invasões...", Remy, o protagonista de "O declínio...", tem câncer em estado terminal, por conta disso sua ex-esposa (que ele insiste em tratar ainda como esposa) contacta seu filho mais velho Sebastien, com quem Remy tem um relacionamenteo conturbado, e o incumbe de tornar os últimos dias do pai mais confortáveis e reunir seus amigos. Aparentemente é mais uma história de reconciliação familiar piegas, e seria mesmo se filmada por um diretor e em um grande estúdio norte-americano, mais interessado em atingir as massas com um melodrama conservador e barato para triplicar bilheterias. Entretanto, filmado por Denys Arcand, cineasta canadense, a história é um balanço sensível dos ideais e utopias que permearam o imaginário coletivo de toda uma intelectualidade durante todo o século XX, e tiveram seu apogeu durante a segunda metade deste século mobilizando toda uma geração que sonhou, desejou, cometeu equivocos e lutou por um mundo melhor e pela liberdades dos povos e do homem. Eles vem a tona através de recordações na voz de Remy e seus amigos - o filme é todo cheio de referências à cultural, ideologia, política, hábitos e marcos do século XX. A morte de Remy significa a morte desses ideais - até mesmo seu apego a vida significa o apego ao seu passado, a relutancia a abrir mão de seus desejos, paixões e convicções - sedendo lugar ao mundo neoliberal conservador e puritano, onde tudo e todos tem um preço e uma forma. Esse mundo está personificado em Sebastien, seu filho, executivo do mercado financeiro, muito bem sucedido, que tem uma vida aparentemente perfeita e um futuro previsível ao lado de Gaëlle, que não o ama mas prefere uma relação destituida de amor e por isso, supostamente, mais segura. Nada mais diferente da vida que Remy levou, permeada de aventuras e paixões. Diferente de outros moribundos do cinema, Remy não aceita a morte de forma abnegada, muito pelo contrário, ele não quer morrer, e por vezes se revolta contra sua finitude e é ai que entra o existencialismo do roteiro. Quem aceita sua própria finitude quando ela ja está prevista? Podemos conviver com a presença da morte cotidianamente, podemos inclusive falar sobre ela, mas quando ela está anunciada torna-se algo real e inescapável. Essas características fazem de Remy um dos personagens mais humanos e apaixonantes do cinema, e o diferenciam das caricaturas sobre o doente terminal. Remy apesar de estar marcado pelo mundo, por tudo que viveu, apesar de ter visto e vivido mais coisas que a maior parte das pessoas não tem a oportunidade de viver e ver, ele não se sente tendo deixado sua marca no mundo. Queria ter escrito mais, queria reconhecimento, e queria não ser esquecido. Ora, ninguém quer ser esquecido, todos nós, no íntimo, queremos ser lembrados. Fica uma sensação de que a vida é tão curta para tudo que queremos fazer, para tudo que ainda queremos ver, que nunca basta o tempo que tivemos sempre queremos mais ... Por fim, a profissão do personagem, um historiador, cai como uma luva para as reflexões e o existencialismo que o filme propõe. Nós historiadores, por mais que tentemos olhar de forma crítica e cietífica para a história, ha sempe um componente subjetivo. Falar do passado, na verdade, é falar do presente pois o que somos hoje está impresso por acontecimentos e idéias surgidos muito antes de nosso nascimento. Nosso trabalho é totalmente intelectual, é um trabalho de reflexão sobre a vida de hoje, olhando sempre para trás, sempre para os rastros. O que desejamos? Talvez para tentar entender como o mundo em que vivemos se formou, e para não deixar que nossa existência, pelo menos enquanto sujeitos sociais, se perca, que não sejamos esquecidos. As Invasões Bárbaras (Les Invasions Barbares) ano: 2003 País: Canadá Direção: Denys Arcand Elenco: Remy Girard (Remy); Stephene Rousseau (Sebastien); Marie Josée Croze (Nathalie) L'amitié
Beaucoup de mes amis sont venus des nuages
Avec soleil et pluie comme simples bagages
Ils ont fait la saison des amitiés sincères
La plus belle saison des quatre de la terre
Ils ont cette douceur des plus beaux paysages
Et la fidélité des oiseaux de passage
Dans leurs cœurs est gravée une infinie tendresse
Mais parfois dans leurs yeux se glisse la tristesse
Alors, ils viennent se chauffer chez moi
Et toi aussi tu viendras
Tu pourras repartir au fin fond des nuages
Et de nouveau sourire à bien d'autres visages
Donner autour de toi un peu de ta tendresse
Lorsqu'un autre voudra te cacher sa tristesse
Comme l'on ne sait pas ce que la vie nous donne
Il se peut qu'à mon tour je ne sois plus personne
S'il me reste un ami qui vraiment me comprenne
J'oublierai à la fois mes larmes et mes peines
Alors, peut-être je viendrai chez toi
Chauffer mon cœur à ton bois Versão em português Muitos de meus amigos vieram das nuvens Com o sol e a chuva como bagagem Fizeram a estação da amizade sinsera, A mais bela das quatro estações da terra Tem a docura das mais belas paisagens A fidelidade dos pássaros migradores E em seu coração está gravada uma ternura infinita, Mas, as vezes, uma tristeza aparece em seus olhos. Então, vêm se aquecer comigo E você também virá Poderá retonrar às nuvens e Sorrir de novo a outros rostos Distribuir a sua volta um puco de sua ternura, Quando alguem quiser esconder sua tristeza Como não sabemos o que a vida nos dá, Talvez eu não seja mais ninguém. Se me resta um amigo que realmente me compreenda, Me esquecerei das lágrimas e penas. Então, talvez eu vá até você aquecer Meu coração com sua chama.

4 comentários:

Zerfas disse...

Lindo e comovente.
Soa um pouco com o cine Francês.
bjs

apenas um parafuso perdido disse...

Vi os dois. Federal. O Declínio, diálogos muito legais; Invasões, um baita reflexão.

Romanzeira disse...

Oi Ester. Sim, é lindo, lindo de mais esse filme... Todo falado em francês mas é canadense!

Klamber, eu também vi o Declinio e não dá pra comprar um com o outro, são filmes completamente diferentes. O roteiro e os dialogos de Declínio são muito bons; Invasões é muito, muito existencial. Amei Invasões exatamente por conta da pegada existencial e porque o mostra um outro lado do Remy, para além da galinhagem. rs... Aliás, que ator poderoso, hein! O cara é muito bom.

Jacques disse...

Lembro de ter assistido o trailer deste filme há alguns anos atrás.
Valeu a dica.
Sites que valem a pena:
http://amansim.blogspot.com/
http://anaceciliaromeu.blogspot.com/
Até mais.