11.12.09

Historia, memória...

Há cerca de duas semanas terminou o curso que eu estava fazendo sobre movimentos e resistência à ditadura militar. O curso foi ótimo, contou com a participação de historiadores, geógrafos, juristas, advogados e várias pessoas que estiveram diretamente envolvidas na luta contra a ditadura e que estão envolvida na luta pelos direitos humanos. Um dos pontos mais discutidos durante o curso foi a questão da anistia, e a memória que vem sendo construída desde a década de 90 do século XX, sobre a ditadura militar.

Desde os anos noventa, há uma onda revisionista sobre o papel da esquerda na resistência contra a ditadura. Nesse processo a mídia tem lugar de destaque na construção de uma memória da ditadura, não apenas através dos órgãos de imprensa, mas também através da produção de filmes, novelas, mini-series e etc... O que se percebe é que a memória construída a cerca dos anos de chumbo, com a ajuda dos meios de comunicação de massa é aquela em que se culpa a esquerda e seus militantes pelo endurecimento do regime, associa-se a militância política a utopia, e principalmente desqualifica a militância política quando a associa a um esforço isolado de setores privilegiados da sociedade. A esquerda e os movimentos de resistência a ditadura são, via de regra, associados a debilidade e imaturidade política, ou a utopia ideológica de meia dúzia de meninos de classe média e estudantes universitários. Ao contrário disso, o Estado terrorista que se instituiu no Brasil após o golpe é visto como o responsável pelo desenvolvimento industrial e verdadeiro agente modernizador da economia.

Há vários exemplos, principalmente no cinema, dessa leitura carregada de conservadorismo e com finalidade política bem definida, mas o mais recente sem dúvida foi a mini-série exibida pela Globo em 2008 “Queridos Amigos”. Não vou entrar em detalhes sobre a história, mas ela tratava do reencontro de um grupo de amigos no final dos anos 80. A partir de suas historias traçava-se um perfil da geração que viveu o auge da ditadura nos anos 70. O que incomoda na mini-serie e denuncia a ideologia da qual está imbuída? Dois pontos importantes: 1º) o perfil traçado do militante político de esquerda (personagem de Matheus Natchergale) é o de um sujeito dogmático, inconveniente e anacrônico, que exatamente por seu “romantismo” ideológico foi abandonado pela mulher e os filhos, ou seja, um “perdedor”, segunda a ideologia liberal; ou então jovens inocentes que por conta de alguns poucos militantes utópicos acabaram por parar em prisões e sessões de tortura (personagem de Denise Fraga). O segundo ponto é o fato do torturador ser visto pelas vitimas como um “psicopata”. Psicopata? Não, não eram psicopatas, eram agentes formados por escolas especializadas como a Escola das Américas, no Panamá, sob o patrocínio de um Estado terrorista e assassino. Um psicopata é alguém que não responde por seus atos pois tem uma doença ou anomalia (eu não sei bem) mental; portanto se tratamos torturadores e seus superiores como psicopatas, desresponsabilizamos o Estado por ações terroristas e crimes contra a humanidade o que a tortura é.

Assisti poucos capítulos da mini-série porque era ruim de mais, o texto, roteiro e argumentação eram previsíveis, tudo muito quadradinho, todo mundo muito moderninho, todo mundo muito amiguinho. Como diria a minha irmã mais nova, uma “falsa paz” (!). Mas o que ficou marcado na minha cabeça foi a construção ideológica (o que a maior parte das pessoas não percebe).

7 comentários:

Zerfas disse...

há muito o que se discutir a respeito da ditadura, da necessidade de punir os torturadores,de poder falar abertamente sobre ela, pois na verdade pouco ainda se fala, ainda exite o veu do medo sobre aqueles que viveram o periodo .. não importa de que lado eles estavam...verbalizar tornar PUBLICO de fato ainda falta muito.
Beijos moça espero q seus esforços nos estudos sobre o tema ajude a abrir este veu!

Romanzeira disse...

Opa, Ester, importa o lado sim. Quem tem medo é quem foi torturado, quem perdeu alguem, os que torturaram, ou aqueles que se beneficiaram do regime de alguma forma falam da época, gostam de falar, não tem absolutamente nada a temer.
O problema maior é que punir torturadores - muitos oficiais reformados hoje - além de mexer com os brios do exército, é reconhecer que alquele Estado era um EStado do terro, um EStado terrorista, é reconhecer que durante mais de 20 anos uma elite se beneficiou economicamente da exploração dos trabalhadores e da repressão política. Eu acho que o caminho é a mobilização e pressão da sociedade. Somente assim poderemos mudar a forma como essa historia será contada para as gerações futuras.

bj.

Rubem Garcia disse...

a globo noveliza,
transforma e fabrica a noticia
a globo. velha milícia,
a vigiar o nosso sono pueril...
tem contrubuido de maneira inequívoca
para a contrução da nossa imgame de Brasil!!!
hehehe
Salva de palmas para eles...

L. Archilla disse...

que coisa, vi só o último capítulo de Queridos Amigos e parecia tão bom... acho q fui seduzida pelo elenco. legal saber q não perdi muito! :)

Romanzeira disse...

Olha, Archila eu sou muito chata, então pode ser que tenha sido tão ruim assim do ponto de vista de produção, roteiro, dialogos.
Agora, por que marcar tanto a época e produzir o tipo de discurso que culpabiliza a esquerda pela truculencia da ditadura, que rotula torturadores como "psicopatas" quando todos sabemos que eles não eram? Isso é que me deixou indignada!

Marcos Vinicius Gomes disse...

Bem, tentar vitaminar o movimento anti-ditatorial por esses tempos parece insensato. Todo mundo que participou da guerrilha (grande parte, tipo Geneoíno e outros lúcidos) admitem que a militarização da resistência à 'Redentora' foi um equivoco...Equivoco que foi logo sufocado e sepultado com a ascensão do movimento operário do ABC juntamente com o surgimento da liderança de Lula e fundação do PT.Os ingênuos marxistas de salão que haviam seguido a sandice da luta 'Davi contra Golias' agora tinham um referencial, um paradigma surgido não apenas no ambito livresco mas no dia-a-dia da luta operária nacional.

Romanzeira disse...

Oi, Marcos Vinícios. Sim, a militarização da resistência a ditadura foi mesmo equivocada se olhada com os olhos atuais, mas naquele momento era uma opção. A gente não pode pensar o passado fora de seu contexto, ou seja, ignorando as ideologias que circulavam no momento sobre o qual nos debruçamos, os interesses, os significados das ações.
Hoje, ações armadas não são uma opção, mas há quarenta anos atrás eram sim.
Sobre alimentar movimento anti-ditatorial, além de insensato seria anacrônico porque a gente não vive mais numa ditadura, porém exigir exclarecimentos, responsabilidade e principalmente justiça é um direito nosso como cidadãos que somos.