5.3.09

Estupro, ignorância, excomunhão...


Nunca fui entusiasta do aborto. Em tempos anteriores, era terminantemente contra, hoje minha posição quanto ao assunto já é mais flexível: faz quem quer, mas acho deplorável. Acho, acho mesmo, até porque o discurso pró aborto se baseia no direito que a mulher tem sobre seu corpo, entretanto se ela tem tanta consciência desse direito (que é legítimo e eu concordo!), por que terminou com uma gravidez indesejável? Métodos anticoncepcionais existem aos montes, o mais popular e barato de todos é a boa e velha camisinha, vendida em qualquer farmácia por módicos R$ 3,00 o pacote com três, o preço de uma cerveja, vejam só! O que não se pode perder de vista nesta discussão é que, alem do direito da mulher sobre seu corpor, há uma vida em jogo, e quando um casal faz sexo sem proteção está fazendo uma escolha, e deve arcar com as responsabilidades e conseqüências dessa escolha. Mas como não é certo que o Estado se meta em questões de cunho pessoal, e cada um sabe de seus limites, e criança não é brinquedo para vir ao mundo é ficar jogado por aí, e principalmente porque não sou ninguém pra botar o dedo na cara dos outros, acho que o aborto deveria ser descriminalizado sim, e cada um que se entenda com a sua consciência.


Agora, o que não se pode suportar é que a Igreja venha condenar o abordo de uma menina de nove anos que foi estuprada pelo padrasto desde os seis! Antes de qualquer coisa, os filhos que ela esperava eram fruto de uma das piores violências que se pode cometer contra uma mulher, e nem mulher ela era ainda quando começou a ser usada pelo filho-da-mãe! Não houve uma escolha, ela foi violentada. Como é que crianças geradas a partir de um estupro, podem vir ao mundo? Nessa história horrível e triste soma-se o fato de a vítima ser uma criança!


O que o arcebispo de Pernambuco pensa da vida? Que as pessoas são os bonequinhos de Deus! Que há um motivo divino para a vinda dessas crianças e uma recompensa divina depois da morte para a garota (sim porque ela poderia morrer já que o corpo de uma menina de 9 anos não está preparado para suportar uma gravidez de gêmeos), como se ela fosse uma espécie de Maria? O que ele sabe sobre humanidade e desumanidade para além dos manuais que ele leu no seminário há mais de 40 anos? As pessoas são de carne e osso, elas sofrem, e se curam, mas há limites para tudo!


O referido arcebispo excomungou os médicos que fizeram o aborto e ameaça excomungar a mãe que o permitiu. Eu pergunto: o arcebispo também excomungou o estuprador? Não! Na verdade, isso nem é discutido! É como se aquelas crianças tivessem sido geradas pela providencia divina e não por um ato violento, como o estupro. Isso é que é mais assombroso. O que a igreja diz sobre a violência contra a mulher e a criança? Existem pastorais mobilizadas e atuantes quando a esses assuntos, assim como existe uma pastoral para os assuntos referentes a reforma agrária?


Nunca vou esperar que um padre ou qualquer autoridade religiosa, de qualquer religião, se manifeste a favor do aborto, mas eles poderiam, no mínimo, não dizer nada, não pedir resignação quando o momento é de indignação e revolta, não culpar a vítima e, principalmente fazer alguma coisa de fato para que casos como esse não mais aconteçam, ao invés de ficar apenas no discurso surrealista e quiçá machista, de que a vocação da mulher é ser mãe, independente de como essa “maternidade” aconteceu, desprovido de qualquer pé na realidade e bom senso.

4 comentários:

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Teutexto reflete muito de perto a minha opinião sobre este tema. Também sou absolutamente contra o aborto, o que significa dizer que sou contra a idéia de que uma mulher faça um aborto num filho concebido por mim. Tenho esta posição e faço questão de que esta minha posição seja respeitada. e é por isso mesmo que eu faço questão de respeitar a opinião alheia, ou seja, não me julgo no direito de opinar se outra mulher ou outro casal devem ou não praticar um aborto. Também não reconheço o direito do estado, e muito menos a igreja católica, criticar e até impedir que aqueles que tenham tomado esta decisão tenham a liberdade para fazê-lo.

Tem muito cinismo nestes dois aspectos:

1 - O estado criminaliza o aborto, mas faz muito pouco pra que não existam crianças abandonadas em qualquer grande cidade do Brasil.

2 - A igreja católica proíbe o aborto, a camisinha, o homossexualismo, mas cala-se covardemente a respeito de padres pedófilos espalhados por suas igrejas e paróquias no mundo inteiro.

é ou não é muita hipocrisia?

Sâmia disse...

Lamentável todo esse caso, para não dizer deplorável.
Em solidariedade aos médicos, que não se intimidaram e fizeram o que deviam fazer, vou pendurar uma plaquinha no pescoço: "Arcebispo, excomunga eu!".

Beijos, querida!

Anônimo disse...

Muito boa sua matéria! Gostaria de recomendar o texto "As religiões estão mortas" de Gianni Vattimo, para El Pais.
Maria

Romanzeira disse...

Pessoal, obrigada pela leitura e os comentários. Eu fiquei profundamente revoltada com tamanha dureza e falta de sensibilidade da igreja. Nenhuma instituição é um bloco homogêneo, em qualquer uma delas existem várias correntes com suas próprias linhas ideológicas e interesses; existem disputas politicas. A igreja não escapa disso, a ala progressista da igreja há muito perdeu força. Mas antes de qualquer coisa é uma instituição religiosa que representa uma doutrina baseada no amor ao proximo, na fraternidade (pelo menos é assim que eles vendem o peixe!)e só se pode ser fraterno quando se tem um mínimo de compreenção - compreenção e não tolerância, porque se tolera quando não se tem outra escolha. É como eu disse, não espero que nem o mais progressista dos padres apoie o aborto, pois é parte da doutrina da igreja a preservação da vida, e eles acreditam na vida a partir da concepção, tudo bem. Agora, uma gravidez gerada partir de um estupro significa que não houve uma escolha, a mulher foi agredida e o resultado é uma gravidez forçada. Isso é muito triste, e neste caso além de triste é sórdido porque a pessoa estuprada era uma criança.
As últimas palavras do arcebispo do Recife, de que o aborto é mais grave que o estupro de uma criança é de arrazar qualquer um que tenha um mínimo de humanidade e do amor ao próximo tão declarado pela igreja.

Isso é revoltante e também eu, Sâmia, tive impetos de mandar uma cartinha para a arquidiossese do rio solicitanto minha própria excomunhão e fazendo uma exposição de motivos.

Realmente, Arnaldo, é muita hipocrisia de ambos os lados. Não excomungam estuprador porque tem um monte de estuprador lá dentro escondido sob a batina do papa. A carapuça lhes cabe.

Valeu, Maria, vou procurar o texto.

Mais uma vez obrigada a todos.