
Estava lendo um texto do meu amigo Klamber, no Opa sobrou um parafuso!, sobre o hábito de ler, supostamente impopular entre nós brasileiros. Essa questão martela em minha cabeça por muito tempo e acho que ela tem vários lados e facetas, que vai do preço do livro, até a questão do tipo de literatura que as pessoas consomem. De quem é a culpa pela ausência do hábito de ler entre os brasileiros? Das condições socioeconômicas da sociedade ou das próprias pessoas?
Livro, assim como cultura de maneira geral, neste país é um bem, e não está acessível de maneira igualitária a todos. Hoje não se compra um romance por menos de trinta reais - sendo muito otimista é claro. O preço mínimo de um livro novo oscila entre 30 e 50 reais. Hora, qual assalariado que pode abrir mão de 10% de seu salário, todo mês para adquirir um livro? Até mesmo o livro de bolso (pocket book) uma invenção proveniente da terra do Tio Sam - edições mais baratas, de qualidade inferior aos livros normais - com o objetivo de deixar a literatura mais acessível a população, aqui foi capitalizada. Hoje editoras grandes como a Cia das Letras lançaram seus selos de bolso com o preço chegando a até 30 reais! Oras, mas o objetivo não é popularizar a leitura, difundir o hábito de ler?
Então será que é justo falar que as pessoas negligenciam o hábito da leitura, e desta forma a aquisição de conhecimento? Suponhamos que sim. Bom, penso que a maior parte da população brasileira pensa dessa forma por não reconhecer o hábito de ler como seu, como algo conveniente a sua condição social. O hábito da leitura é identificado como um hábito de elite - ora, eu mesma fui várias vezes sacaneada na escola, quando tinhas 14 ou 15 anos porque gostava de ler livros ao invés de ficar fixada na revista Querida!* (obrivamente, eu também lia Querida)Por que isso? Não é apenas a idade, é também uma questão de se identificar com o hábito. A maior parte das famílias brasileiras de baixa renda não reconhece o hábito de ler como conveniente a sua condição social, mas isso não está dito, fica apenas insinuado, subentendido. Isso ocorre por questões histórias que remontam a formação de nossa sociedade, talvez chagando mesmo a sociedade colonial, quando os primeiros colégios estavam nas mãos da igreja; a baixa circulação de publicações impressas, situação que só muda um pouco após a vinda da família real para o Brasil; o alto índice de analfabetismo da população.O hábito de ler é marca e livro é propriedade de uma classe social.
Talvez por isso seja comum vermos pessoas até mesmo de classe média baixa e média média gastando 30, 40, 50 reais num bar, ou comprando roupas, sapatos, celulares com mil utilidades, parcelando tudo no cartão de crédito, mas achando impensável comprar um livro nesse valor ainda que tenha mesma facilidade de crédito. Ou seja, não existe a cultura da ler. Outrora, para essas classes ler era sinal de status, no mundo de hoje, onde impera o consumismo desenfreado existem outros símbolos de status mais atraentes. Entretanto o livro ainda conserva o fetiche do luxo.Então o preço elevado dos livros é consequência tanto de questões econômicas, como margem de lucro, alto investimento em títulos importados que têm de dar bons rendimentos, quanto do fato do livro ser um bem identificado com uma determinada classe social, que possui um bom poder aquisitivo. Ou seja, o público alvo dos produtos editoriais é um público que supostamente pode comprar e vai comprar aquele produto.
Atualmente as editoras descobriram que faz muito sucesso entre as massas livros de auto-ajuda e livros espíritas, resultado: no estande de livros do shopping de Bangu quase 90% dos títulos direcionados aos adultos é de auto-ajuda ou livros espíritas, talvez menos de 10% sejam de Best Sellers como o "Homem que rouba sonhos" ou "A menina que roubava livros" (caramba, os autores estão com uma fixação em roubos!) Deduz-se que, quem mora em Bangu, e tem o hábito de ler, vai ler esse tipo de livro.
No fim das contas, são as condições socioeconômicas que determinam como a banda vai tocar.
É um círculo vicioso. Qual é a saída para isso? Como quebrar o círculo? Eu acho que o livro tem de ser mais barato sim, afinal, os livros de auto-ajuda, espiritismo e o tal Paulo Coelho são vendidos a preço de banana e fazem muito sucesso. Além do mais é como eu disse no inicio: não dá pra um assalariado abrir mão de 40 reais, quase 10% do salário todo mês . Então outros livros de escritores brasileiros, principalmente, escritores de língua portuguesa e clássicos da literatura latino-americana deveriam ser alvo de uma politica de redução de preços. Não sei como isso seria feito pois envolve uma série de questões que vão desde direitos autorais até a liberdade de mercado, mas alguma atitude nesse sentido deveria ser tomada. E paralelamente, intensificar a política de incentivo a leitura em escolas, principalmente, e outros espaços como por exemplo as Lonas Culturais, ou a criação de espaços como bibliotecas públicas nos bairros.
* Revista Querida era uma publicação voltada pra o público feminino adolescente muito popular durante os anos 90.
** Há iniciativas da própria população no sentido de criar bibliotecas comunitárias em alguns bairros, como em Oswaldo Cruz por exemplo - imagino que isso ocorra em outros lugares - ou em igrejas, mas é um movimento muito tênue e muitas vezes acaba sucumbindo por falta de um espaço, falta de apoio financeiro, e apoio técnico.
*** Ainda estou pensando muito sobre essa questão e nenhuma dessa idéias está fechada para mim.
9 comentários:
Bom dia tenho uma dica para quem está procurando por livros, dicas , críticas entre outros aí vai, é um site que achei na net bem legal: O link é esse:
http://www.ziipi.com/result?pesquisa=livro
Há a questão econômica e há a questão cultural. Muitas pessoas não lêem mais por não terem grana. Outras, não lêem por não terem o hábito, mesmo tendo considerável poder aquisitivo.
E ainda há essa questão que você lembrou muito bem: A segregação geográfica. Creio eu que seja preconceito puro da inústria cultural, mas é difícil achar livros, filmes de arte e boas peças de teatro nas Zonas Norte e Oeste do Rio.
No final das contas, fica mais fácil ler a Capricho (A Querida de hoje).
Vivi tentei não entrar nesta questão ...
ler ou não ler - eis a questão...
Há uma coisa a ser somada ao valor do livro não só hoje mas pelos menos nos ultimos 30 a 40 anos, o valor dos impostos - hj pra ser comprar um livro vc paga em media 40% do valor em impostos - por conta de uma serie de coisas. Hoje vc quase não vc livro feito de paepel jornal como os "sabrinas e julias" da vida, mas sim com um similar com aspecto cougué.
Sou uma filizadar por ter tido um pai professor e ainda trabalhar em uma editora de livros infantis - na epoca uma grande editora a EBAL - tive acesso o que de melhor se tinha para crianças no mercado dos anos 70 e 80. Convivi com estantes na sala repleto de livros e percebi q as pessoas das outras casas proximas não tinha livros na sala e alguams vezes o poucos q tinhas guardavam em um baú.
O livro passava a ideia magica de conhecimento e logo isso era objeto de conservação escondida dos olhos, pois o conhecimento era apenas superficial.
Demorei a frequentar as bibliotecas, porem logo precisei procurar as maiores para encontrar livros e periodicos raros.
LER por ler é facil, compreender o que as frases querem dizer é dificil para a maioria das pessoas. Criar habito de curiosidade e experimentação com a leitura cabe a familia a escola a religião q frequenta, ao club, a reunião de amigos, a provocação do conehcimento continuo.
Livro não é um bem simplesmente fisico ele é fluido dentro do que el se propoem a nos contar.
É claro que livro novo é caro pra cacete. Mas a quantidade de sebos existentes nas grandes cidades mostra que livros usados são um negócio lucrativo, porque baratos. De qualquer maneira, são livros, e só não os leem os que não querem; ou os como o meu tio, que diz que não lê livros porque não tem tempo para hobbies, mas, ao contrário, precisa trabalhar para ganhar dinheiro...
Triste realidade...
Acho que é um pouco de tudo, a razão de se ler tão pouco no Brasil. O preço é a razão mais óbvia, mas tem a falta de hábito, que dificulta as coisas. Além disso, a escola, que deveria incentivar a ler, faz exatamente o contrário, ou escolhendo obras pouco atraentes pra criançada, ou fazendo exigências antipáticas como tempo para leitura e resumos de obras em 2 páginas.
Lembro-me que nos meus longínquos anos de curso fundamental (naquele tempo se chamava grupo escolar e ginásio), quando um aluno aprontava alguma coisa grave na escola, recebia, como castigo, ficar trancado na biblioteca. Ou seja, ficar em contato com os livros era sinônimo de castigo!
Outra atitude que cria o hábito de ler nas crianças é o exemplo dos pais. Tenho muitos amigos que reclamam que não conseguem "obrigar" seus filhos a ler. E aí eu lhes pergunto: "Ele já viu você lendo um livro em casa?". Adivinhe a resposta.
Enfim, o que as pessoas precisam entender é que a leitura, mais do que uma obrigação, uma forma de aprendizado, uma fonte de conhecimento, a leitura é uma extrema fonte de prazer. É como comer, beber, fazer sexo. Ler é uma delícia. Basta começar, se acostumar e se viciar. Um vício bom.
Como filho de professora, fui criado à base de Monteiro Lobato, Ziraldo e Maria Clara Machado, isso ajudou muito.
O problema é que a garotada de hoje em dia tem um milhão de outras prioridades, além de não ter o exemplo em casa. Quem não lê dificilmente terá filhos leitores.
Gente, eu fico muito feliz com todos os comentários e principalmente que esse texto tenha motivado tantos a opinar.
É um assunto complexo, e acho que todos que escrevemos aqui temos um pouco de razão.
Mas gostaria de falar mais profundamente sobre alguns pontos.
Sim, os impostos são altos, mas são altos para todo o empresariado. Eu pergunto: e se o produto não fosse mais taxado, se todos os impostos fossem suspensos, um livro que custa 50 reais passaria a custar 10? Por que O Caçador de Pipas foi lançado a 50 reais, e hoje podemos encontrá-lo por 30. O valor dos produtos não está apenas no seu preço de custo, mas está principalmente no valor simbólico, no que ele representa para uma sociedade ou para grupos sociais hegemônicos.
Sobre os sebos, bem, a região do centro realmente é cheia de sebos onde se encontra de tudo. Mas se vc avançar um pouquinho para os suburbios, verá que existem pouquíssimos sebos e os que existem oferecem ao público geralmente aqueles bestselles internacionais. Se vc estiver procurando por um livro do Carlos Drumond de Andrade (literatura brasileira, século XX, um dos poetas mais famosos do país, com textos em vários livros didaticos, ou seja, não é nada do arco da velha) pode esquecer. A maior parte dos títulos oferecidos são de literatura estrangeira. É mais fácil achar Daniele Steel ou Sidney Sheldon (eca!).
Também digo ECA! para Sidney Sheldon, mas tenho dúvidas se não é melhor que os jovens leiam esse tipo de "literatura" do que não ler nada. Ao menos, eles adquirem o hábido da leitura e depois, com o tempo, conquistam o senso crítico.
Oi ARnaldo. Concordo com vc, é melhor ler algo que não ler nada, não cultivar o hábito. Eu mesma já li Sidney Sheldon e até gostava - isso , até ler "Areias do deserto", mas essa e uma outra história, depois eu conto com mais detalhes o meu trauma. Mas, caramba, é meio triste ver que as pessoas desconhecem os escritores de sua própria lingua, e que talvez nem passe na cabeça dos livreiros trazer um ou outro exemplar de um autor brasileiro para seus sebos.
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