2.7.08
Verdades inconvenientes...
Acho muito engraçado o tratamento que a imprensa dá a determinados casos, o que geralmente demonstra, embora as pessoas nem sempre percebam, o caráter e os interesses do jornal.
Há três dias que abro a página do Globo e vejo alguma manchete sobre o caso do rapaz morto na saída de uma boite em Ipanema, pelo segurança do filho de uma juíza. As matérias giram em torno da dor da mãe e da covardia do assassino – por sinal um policial militar que fazia um bico de segurança.
Mais ou menos há três semanas era noticiada a morte brutal e covarde de três jovens do Morro da Providência, entregues a traficantes do Morro da Mineira, por soldados do exército, que faziam a segurança da obra eleitoreira do senador Crivela na Providência.
Como a imprensa tratou o caso? Apenas através do viés político: o fato dos soldados estarem ali para fazer a segurança da obra do referido senador. Até se falou da questão dos soldados serem treinados para a guerra e não para o policiamento, mas essa questão acabou se perdendo lugar para o viés político. Nenhum jornalista foi visitar as mães dos jovens, suas famílias, suas casas. Ninguém questionou a maldade dos militares, sim, porque foi maldade, uma covardia que não se entende, que beira a covardia da tortura, prática que eles ainda aprendem nos quartéis e nas escolas militares. Ao jornal só importava o fato de que a obra era eleitoreira, de que o Ministério das Cidades teria liberado verba ilegalmente para o senador fazer sua propaganda eleitoral. E o caso já foi esquecido pela mídia.
Mas voltando a vaca fria: porque o tratamento tão diferenciado a dois casos semelhantes, somente diferentes em relação a covardia.
Não gosto de ser maniqueísta, mas talvez eu seja agora. Há duas questões uma política e a outra cultural (e talvez política também, visto que o campo da cultura é campo de embate político de classes). A questão política era aproveitar a oportunidade para ligar o presidente (desafeto confesso do jornal) a irregularidades na campanha eleitoral de seu candidato a prefeitura do rio. A segunda é cultural: para quê falar do sofrimento de famílias faveladas? Eles são apenas pobres, favelados e negros. Ao passo que o caso Daniel foi uma ofensa desferida sobre a classe média por um representante do “aparelho repressor do Estado”. O sofrimento da mãe de Daniel é o sofrimento de toda a classe média, acuada e assustada com a violência que permeia a sociedade tanto no aspecto do cotidianos como na esfera estatal – nesse sentido podemos entender a violência não só como algo físico mas como algo simbólico, exercida pela burocracia estatal através de seus órgãos fiscais, legislativos, jurídicos e administrativos e na ponta disso tudo, por fim por seus órgãos de segurança, só é conveniente lembrar que a banda que toca aqui, toca lá também, ou seja, essa violência não é privilégio da classe média, mas de toda a população principalmente a população pobre.
O mesmo peso e a mesma medida não vale para os moradores da Providência. Eles não compõem essa classe média, eles não têm futuro e talvez a morte fosse o destino daqueles jovens, uma vez que todo morador de favela é um traficante em potencial e vai acabar por viciar ou matar os filhos da classe média.
Entendo a dor da mãe e esse texto não tem o intuito de minimizar os fatos, mas me revolta a atitude do jornal. Assim como me revolta do fato da empresa que edita o Globo edite também o jornal Extra, jornal infinitalmente inferior ao primeiro, visivelmente destinado ao público de baixa renda. Mas isso é assunto para outro post.
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2 comentários:
Oi, Vivi. É, infelizmente, as coisas são assim mesmo. E não é só aqui, é no mundo todo - infelizmente. Parte da própria divisão social, das distinções de classes e de poder. Eu tenho, por isso sou olhado e bajulado, você não tem, por isso, antes de mais nada, és uma estatística. É um assunto longo. Podemos dialogar pra cacete em cima desse assunto. Vou escrever no meu brog a respeito do seu texto. Bj
Beleza, Parafuso. Escreve mesmo, que eu vou lá ler.
Pois é, na verdade as coisas não deveriam ser assim, e isso me deixa muito indignada! bj.
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