
* Conto publicado em 21/07/2006, na revista eletrônica ZeroHum. Aqui o conto aparece corrigido e revisado.
Olhava a parede nua. Tinha tirado o quadro e colocado embaixo do braço. Ao bater a porta, tudo estaria acabado, dizia a si mesma. Ficaria para trás não somente uma casa, mas um passado, uma vida... sua vida. Não compreendia como pôde acabar assim. Aquela casa não lhe dizia nada e lhe dizia tudo ao mesmo tempo. No local do quadro, ficou uma marca. A marca era o antes. O resto da parede, os vários depois. Olhava o lugar, que um dia foi seu, e via somente um vazio igual ao seu coração: oco. Engraçado, como duas criaturas que eram tão ligadas tornam-se tão estranhas de uma hora para outra. O paradoxo do amor é o seu término. Todas as juras são negadas, e grandes momentos esquecidos, como notícia de jornal, que no outro dia já não serve para nada, coisa descartável.
Era melhor não demorar mais. Finalmente fechou a porta. Foi deixando tudo: músicas, livros, plantas, fotografias, dias, noites, palavras, todas essas lembranças soltas...tudo. Era o certo? Não sabia, mas sabia que não tinha mais como continuar. Chegando à calçada, luz. Foi bom sentir um feixe de sol, quente, batendo em seu rosto, como se a acordasse para o mundo. Deu os primeiros passos fora de casa, como uma criança que dá os primeiro passos sozinha. Um misto de medo e ansiedade a dominou. Continuou andando e olhou para trás, tal qual as crianças que aprendem a andar – olham para os pais como se pedissem instruções. Da janela do apartamento, ninguém a olhava, somente a própria janela parecia lhe dirigir um último adeus, e parecia tão triste, agora. Engraçado, como é fácil reconhecer uma casa vazia.
Sentiu uma quentura no rosto, que não era o sol. A quentura foi descendo pela bochecha até tocar o canto da boca. Melhor não olhar! Virou-se pra frente, então, e viu, meio embaçados, carros passando continuamente, pessoas andando, conversando... Velhos, crianças voltando da escola, cachorro vira-lata fuçando o lixo... E o sol, que brilhava manso, como todo sol de inverno, e parecia lhe esperar. Respirou fundo e continuou andando, com o quadro embaixo do braço e as malas nas mãos. O mundo não parou. Ninguém parou para vê-la partir e nem ela própria o queria. O mundo não parou e nunca pararia, nem ela pararia. Fez sinal para um táxi, entrou batendo a porta e, por fim, partiu, para sempre.
Era melhor não demorar mais. Finalmente fechou a porta. Foi deixando tudo: músicas, livros, plantas, fotografias, dias, noites, palavras, todas essas lembranças soltas...tudo. Era o certo? Não sabia, mas sabia que não tinha mais como continuar. Chegando à calçada, luz. Foi bom sentir um feixe de sol, quente, batendo em seu rosto, como se a acordasse para o mundo. Deu os primeiros passos fora de casa, como uma criança que dá os primeiro passos sozinha. Um misto de medo e ansiedade a dominou. Continuou andando e olhou para trás, tal qual as crianças que aprendem a andar – olham para os pais como se pedissem instruções. Da janela do apartamento, ninguém a olhava, somente a própria janela parecia lhe dirigir um último adeus, e parecia tão triste, agora. Engraçado, como é fácil reconhecer uma casa vazia.
Sentiu uma quentura no rosto, que não era o sol. A quentura foi descendo pela bochecha até tocar o canto da boca. Melhor não olhar! Virou-se pra frente, então, e viu, meio embaçados, carros passando continuamente, pessoas andando, conversando... Velhos, crianças voltando da escola, cachorro vira-lata fuçando o lixo... E o sol, que brilhava manso, como todo sol de inverno, e parecia lhe esperar. Respirou fundo e continuou andando, com o quadro embaixo do braço e as malas nas mãos. O mundo não parou. Ninguém parou para vê-la partir e nem ela própria o queria. O mundo não parou e nunca pararia, nem ela pararia. Fez sinal para um táxi, entrou batendo a porta e, por fim, partiu, para sempre.
Imagem: "Outros caminhos" - Ilha do Fundão, 1999. Viviane Mag
5 comentários:
Moça, eu já tinha lido esta crônica pois tinha me mostrado. Ela é lindae de uma sensibilidade única... Mas uma coisa certa o que parece o fim também pode ser o começo de um novo tudo do eu .... Complexo?
Explico!
No momento que entrou dentro do taxi com quadro e as malas começa uma nova viagem, o fim se torna o começo de uma nova etapa com novos quadros e outras apisagens ..
Moça parabéns e sempre boa sorte . ELZ
Obrigada Ester. Engraçado que eu ia mudar o título do Conto exatamente por conta dessa idéia - o fim significa um novo começo. Mas achei melhor não mexer muito no texto. Acho que acabou ficando subentendido.
Obrigada pelo comentário! bjs.
Oi Letícia!
Bom, esse conto não foi exatamente inspirado numa situação pessoal. Na verdade me inspirei no que observo nas pessoas. Nos relacinamentos de pessoas próximas. Uma vez conversando com uma amiga ela disse essa frase que vc gostou. Então fiquei pensando a respeito e resolvi escrever o conto.
Que bom que gostou! Obrigada!bj.
A parte que diz que "O mundo não parou" é siplesmente genial. O mundo nunca espera por nós, se nós não corrermos somos deixados para trás. Muito bom!
Oi João! Que bom que gostou! Legal ter notado essa passagem.
Obrigada por visitar e volta sempre, bjs.
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